Nota: 4/10
Um dos períodos mais vergonhosos da história americana se deu durante parte dos séculos XIX e XX quando, mesmo abolida a escravidão, os negros eram tratados como pessoas de segunda linha, sendo distinguidos dos brancos até mesmo nas leis e nos direitos civis. Histórias Cruzadas, segundo longa do diretor/roteirista Tate Taylor, aborda parte deste período, passando-se no início dos anos 1960, em uma cidade do Mississipi, então um dos estados mais racistas dos Estados Unidos. Centrado em personagens femininas (os homens são meros figurantes na história), o filme acompanha três famílias brancas e suas respectivas empregadas negras. A protagonista é Eugênia Skeeter (Emma Stone), uma jovem que, ao contrário de suas contemporâneas, sonha em ser jornalista e escritora ao invés de apenas se casar e ter filhos, como era o destino das mulheres à época. Contratada por uma grande editora, seu principal – e ousado – projeto é organizar um livro contendo depoimentos daquelas mulheres negras, ouvindo suas histórias e confissões, além de relatar os casos explícitos de racismo e humilhações que sofriam.
A premissa interessante, potencialmente dramática por ter como temas principais o racismo e a emancipação feminina, acaba desperdiçada pela mão pesada de Taylor, que resolve apostar no melodrama e no maniqueísmo ao invés de desenvolver suas personagens. Esses problemas ficam claros principalmente na caracterização do "núcleo" branco do longa, repleto de personagens rasas e estereotipadas. A principal delas é a Hilly Holbrook de Bryce Dallas Howard, retratada como uma vilã cartunesca que só faltava soltar uma risada cruel a cada maldade cometida. Mesmo os personagens que demonstram maior compaixão com os negros são mostrados como caricaturas, desde a protagonista "moderninha" de Emma Stone, até a perua fútil e estúpida interpretada por Jessica Chastain. Chastain, aliás, que entregou uma atuação sutil e eficiente em A Árvore da Vida, aqui aparece constrangedora, sendo inacreditável que seu nome esteja cotado ao Oscar de coadjuvante por este papel.
O contrário pode ser sido sobre Viola Davis e Octavia Spencer. Interpretando as principais personagens negras, as duas criam as figuras mais complexos do longa, demonstrando o sofrimento por que passam sem apelar para atuações caricatas e superficiais, fazendo o possível dentro do limitado texto de Taylor. Diferentes na forma como encaram o racismo e as humilhações que sofrem – Aibileen (Davis) é mais introspectiva e não demonstra seu sofrimento, enquanto que Minny (Spencer) se revolta mais facilmente –, elas conseguem transformar o longa em algo assistível toda vez que estão em cena. Davis, narradora da história, acaba sendo o maior trunfo do filme, retratando de forma sutil o carinho e o desespero de sua personagem. Já Spencer, por outro lado, serve mais como alívio cômico, o que mostra o quanto o roteiro e direção são equivocados (afinal, além de sofrer com o preconceito de suas patroas, ela ainda apanha do marido). Ainda assim, a atriz consegue ter uma ótima atuação, destacando-se sempre que se encontra em cena.
É exatamente aí que mora o maior erro de Taylor: ele não percebe a história potencial que tem em mãos, focando mais nas irritantes personagens brancas, que são o centro do filme. Mesmo narrado por uma das empregadas, a verdadeira protagonista é a insossa personagem de Stone, sendo sempre perdido um tempo enorme com questões irrelevantes como o compromisso amoroso dela com Stuart (Chris Lowell) ou seus problemas com a mãe. Isso faz com que aquelas que o filme advoga que deveriam ter mais voz (os negros) acabam relegados ao segundo plano numa história que retrata mais as idiossincrasias dos costumes brancos daquela época do que a conquista da igualdade racial. Além disso, como se a própria existência do racismo não fosse suficiente para indignar seus expectadores, o diretor/roteirista força a barra, apelando para crianças chorando, diálogos forçados (como a empregada que pede dinheiro emprestado a Hilly) e personagens unidimensionais.
Mesmo com aspectos técnicos muito bem feitos, em especial os figurinos, a direção de arte e a fotografia – com um ligeiro tom sépia –, Histórias Cruzadas acaba sendo uma historinha infantilizada e melodramática sobre um problema sério. E se Taylor mostra-se incompetente até ao escolher uma música de Bob Dylan, famoso pelas canções sobre direitos civis (ele opta por Don't Think Twice, It's All Right, sobre o fim de um relacionamento), ainda assim deve levar às lágrimas muitos espectadores, o que explica o sucesso comercial do filme lá fora. É exatamente essa aposta no melodrama artificial, mais do que suas qualidades, que o transformam em um candidato forte ao Oscar. Resumindo: Histórias Cruzadas tem tudo para ser o Um Sonho Possível de 2012.
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