sábado, 10 de dezembro de 2011

Histórias Cruzadas


Nota: 4/10

Um dos períodos mais vergonhosos da história americana se deu durante parte dos séculos XIX e XX quando, mesmo abolida a escravidão, os negros eram tratados como pessoas de segunda linha, sendo distinguidos dos brancos até mesmo nas leis e nos direitos civis. Histórias Cruzadas, segundo longa do diretor/roteirista Tate Taylor, aborda parte deste período, passando-se no início dos anos 1960, em uma cidade do Mississipi, então um dos estados mais racistas dos Estados Unidos. Centrado em personagens femininas (os homens são meros figurantes na história), o filme acompanha três famílias brancas e suas respectivas empregadas negras. A protagonista é Eugênia Skeeter (Emma Stone), uma jovem que, ao contrário de suas contemporâneas, sonha em ser jornalista e escritora ao invés de apenas se casar e ter filhos, como era o destino das mulheres à época. Contratada por uma grande editora, seu principal – e ousado – projeto é organizar um livro contendo depoimentos daquelas mulheres negras, ouvindo suas histórias e confissões, além de relatar os casos explícitos de racismo e humilhações que sofriam.

A premissa interessante, potencialmente dramática por ter como temas principais o racismo e a emancipação feminina, acaba desperdiçada pela mão pesada de Taylor, que resolve apostar no melodrama e no maniqueísmo ao invés de desenvolver suas personagens. Esses problemas ficam claros principalmente na caracterização do "núcleo" branco do longa, repleto de personagens rasas e estereotipadas. A principal delas é a Hilly Holbrook de Bryce Dallas Howard, retratada como uma vilã cartunesca que só faltava soltar uma risada cruel a cada maldade cometida. Mesmo os personagens que demonstram maior compaixão com os negros são mostrados como caricaturas, desde a protagonista "moderninha" de Emma Stone, até a perua fútil e estúpida interpretada por Jessica Chastain. Chastain, aliás, que entregou uma atuação sutil e eficiente em A Árvore da Vida, aqui aparece constrangedora, sendo inacreditável que seu nome esteja cotado ao Oscar de coadjuvante por este papel.



O contrário pode ser sido sobre Viola Davis e Octavia Spencer. Interpretando as principais personagens negras, as duas criam as figuras mais complexos do longa, demonstrando o sofrimento por que passam sem apelar para atuações caricatas e superficiais, fazendo o possível dentro do limitado texto de Taylor. Diferentes na forma como encaram o racismo e as humilhações que sofrem – Aibileen (Davis) é mais introspectiva e não demonstra seu sofrimento, enquanto que Minny (Spencer) se revolta mais facilmente –, elas conseguem transformar o longa em algo assistível toda vez que estão em cena. Davis, narradora da história, acaba sendo o maior trunfo do filme, retratando de forma sutil o carinho e o desespero de sua personagem. Já Spencer, por outro lado, serve mais como alívio cômico, o que mostra o quanto o roteiro e direção são equivocados (afinal, além de sofrer com o preconceito de suas patroas, ela ainda apanha do marido). Ainda assim, a atriz consegue ter uma ótima atuação, destacando-se sempre que se encontra em cena. 

É exatamente aí que mora o maior erro de Taylor: ele não percebe a história potencial que tem em mãos, focando mais nas irritantes personagens brancas, que são o centro do filme. Mesmo narrado por uma das empregadas, a verdadeira protagonista é a insossa personagem de Stone, sendo sempre perdido um tempo enorme com questões irrelevantes como o compromisso amoroso dela com Stuart (Chris Lowell) ou seus problemas com a mãe. Isso faz com que aquelas que o filme advoga que deveriam ter mais voz (os negros) acabam relegados ao segundo plano numa história que retrata mais as idiossincrasias dos costumes brancos daquela época do que a conquista da igualdade racial. Além disso, como se a própria existência do racismo não fosse suficiente para indignar seus expectadores, o diretor/roteirista força a barra, apelando para crianças chorando, diálogos forçados (como a empregada que pede dinheiro emprestado a Hilly) e personagens unidimensionais. 

Mesmo com aspectos técnicos muito bem feitos, em especial os figurinos, a direção de arte e a fotografia – com um ligeiro tom sépia –, Histórias Cruzadas acaba sendo uma historinha infantilizada e melodramática sobre um problema sério. E se Taylor mostra-se incompetente até ao escolher uma música de Bob Dylan, famoso pelas canções sobre direitos civis (ele opta por Don't Think Twice, It's All Right, sobre o fim de um relacionamento), ainda assim deve levar às lágrimas muitos espectadores, o que explica o sucesso comercial do filme lá fora. É exatamente essa aposta no melodrama artificial, mais do que suas qualidades, que o transformam em um candidato forte ao Oscar. Resumindo: Histórias Cruzadas tem tudo para ser o Um Sonho Possível de 2012. 

The Help (EUA, 2011). Dirigido por Tate Taylor. Com Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Ahna O'Reilly, Allison Janney, Sissy Spacek, Chris Lowell, Anna Camp, Cicely Tyson e Mike Vogel.

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