quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A Árvore da Vida

Em toda a sua filmografia, Terrence Malick aborda constantemente o quanto o ser humano é pequeno em relação à natureza. Seja na rebeldia à la Bonnie e Clyde de Terra de Ninguém, ou durante a grande depressão em Cinzas do Paraíso, na guerra total de Além da Linha Vermelha ou até nas descobertas mútuas de europeus e americanos em O Novo Mundo, essa temática sempre era retomada de alguma forma. Em A Árvore da Vida, seu trabalho mais complexo e profundo, o cineasta exacerba essa questão, entrelaçando uma narrativa fragmentada, composta por lembranças da adolescência de seu protagonista, com imagens da origem do universo e da vida em nosso planeta, para analisar exatamente a maneira como nós lidamos com nossa própria existência.

O protagonista citado é Jack O’Brien (Sean Penn como adulto e Hunter McCracken como jovem) que, durante o que poderíamos chamar de “crise existencial” (literalmente, como veremos), passa a se lembrar dos momentos de sua infância e adolescência. Somos apresentados primeiro a sua mãe (Jessica Chastain) e a seu rígido pai (Brad Pitt) e posteriormente a seu irmão mais velho, R. L. (Laramie Eppler). A narrativa, fragmentada e não linear, conta sobre a formação de Jack como indivíduo, desde as brincadeiras com os irmãos, passando pelos conflitos com o pai, a relação doce com a mãe, até a morte de R. L., aos 19 anos. Ao mesmo tempo, Malick contempla o espectador com imagens do início da vida na Terra, lembrando-nos de que a vida de Jack (e de todos nós) começou, de fato, há bilhões de anos.

Tecnicamente brilhante, A Árvore da Vida é uma obra profundamente cinematográfica. Malick consegue gerar reflexões profundas somente com imagens e com pouca narração ao fundo. Fotografado de forma magistral por Emmanuel Lubezki, o filme é um espetáculo inebriante de formas, cores e sequências espetaculares, que vão de galáxias e supernovas gigantes aos seres vivos microscópicos com o mesmo apuro estético.  É de se admirar, também, a forma naturalista como Lubezki retrata boa parte da história, que se passa nos anos 1950, em contraponto com a frieza da modernidade composta pelos prédios altos, sufocantes, dos dias de hoje.

A Árvore da Vida não é um espetáculo só para os olhos, mas principalmente para a mente. O que pode parecer confuso devido à fragmentação narrativa (característica da filmografia de Malick), na verdade é uma bela alegoria sobre a relação do ser humano com a natureza, a espiritualidade e a religião. O cineasta não faz julgamentos, mas analisa de forma profunda a maneira como lidamos com o mundo. Em vários momentos, o protagonista/narrador parece questionar uma determinada entidade, num momento de oração para um suposto “deus”. A procura por essa divindade é constante na obra, seja através da narrativa ou da religiosidade do sr. O’Brien. Só que a abordagem de Malick é bastante secularista: diante de todo o espetáculo grandioso proporcionado pela natureza, a procura do homem por um “deus” é vista como algo até natural, devido a suas dúvidas, incertezas e carências diante do que ele considera um milagre. O que muda, segundo o filme, é a maneira com que as pessoas expressam sua espiritualidade. Para o diretor, é compreensível tanto a relação de determinadas pessoas com um "deus" personalista quanto daquelas que admiram a existência por si só, com uma visão de mundo mais materialista.

Nesse ponto é relevante notar a importância da narrativa central. A relação de Jack com seus pais nada mais é do que a própria relação do homem com a natureza e a religião. Apesar de ficar claro o amor de ambos para com os filhos, seus comportamentos são opostos: enquanto a mãe é uma figura calma e compassiva, o pai é rígido e autoritário. O sr. O'Brien é a clara representação da divindade clássica das religiões monoteístas: ao mesmo tempo em que visa o bem de suas “crias”, pode-se mostrar intransigente e cruel, apostando no medo como única forma de obediência. O dogmatismo do personagem se revela até mesmo em sua história de vida, já que ele abandonou o sonho de ser músico (sua “vocação” natural) para tornar-se militar. Não é a toa que é o pai o responsável pela educação religiosa das crianças, enquanto que, por outro lado, a mãe parece viver muito mais em harmonia com a natureza e a própria vida, ficando afastada de qualquer dogmatismo ou rigidez – sem deixar, com isso, de ter sua própria espiritualidade. Essa dualidade fica clara depois da morte de R. L.: enquanto o pai se refugia dentro de uma igreja, a mãe chora no jardim de sua casa, em contato com o mundo físico.


Na verdade, não interessa a Malick discutir a existência ou não de uma divindade (ou inteligência) criadora, ou se há vida após a morte. O que importa para ele é exatamente a forma como nós, humanos, enxergamos nossa vida e lidamos com ela. A genialidade do diretor está em como ele demonstra isso, levantando reflexões sobre o tamanho da importância que nós damos ao nosso próprio ego (seja como indivíduo, seja como humanidade). A vida, na visão de Malick, é algo mutável, em eterna construção, e independe da existência humana. É a nossa relação com a beleza da existência e do temor à morte que nos leva a reagir e buscar certo conforto, recorrendo à espiritualidade e à religião. O belíssimo final, aberto a várias interpretações, demonstra que, apesar de nossa passagem ser breve e de não sabermos o que vem a seguir – se é que vem algo -, nossa vida vai continuar a existir sempre na memória daqueles que nos amaram e, nesse caso, a morte está longe de ser o fim.

Não é à toa que A Árvore da Vida tem sido comparado com 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Essas duas obras-primas do cinema casam-se com perfeição tanto na sua narrativa quanto na temática. Se o clássico de Stanley Kubrick tratava exatamente da racionalização extrema do ser humano do futuro (a ponto de um robô demonstrar mais emoção que o homem), Malick, por outro lado, faz uma profunda reflexão sobre a espiritualidade humana, lembrando que, assim como a razão, essa também é uma característica inerente à nossa espécie. Em ambos os casos temos filmes que remetem à origem do homem e aos simbolismos, muito mais do que a uma narrativa clássica com começo meio e fim. Afinal, a vida é um processo inacabado e em constante mutação.

The Tree of Life (EUA). Dirigido por Terrence Malick. Com Hunter McCracken, Brad Pitt, Jessica Chastain, Laramie Eppler, Sean Penn, Tye Sheridam e Fiona Shaw.


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