terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Carlos

Ilich Ramírez Sánchez, conhecido como Carlos, o Chacal, é um dos terroristas mais conhecidos da história. Durante os anos 1970 e início dos 80 era o homem mais procurado do mundo - uma espécie de Osama Bin Laden daquela época. Mas ao contrário do saudita, Sánchez liderava suas ações, participando de sequestros, atentados e assassinatos pessoalmente. Seu nome tornou-se um mito, ajudado pela constante exposição na imprensa de seus atos grandiosos, como o sequestro de ministros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, em 1975, na Áustria. Apesar de ter iniciado sua carreira como militante da causa palestina, aos poucos Carlos foi se tornando um mercenário, trabalhando para países como Iraque, Síria e Líbia, até ser preso em 1994 no Sudão e condenado à prisão perpétua na França.

O diretor francês Olivier Assayas decidiu transformar a história da ascensão e decadência de Carlos em filme. Num projeto ousado, financiado pela televisão francesa, criou uma obra que passa por boa parte da tragetória do terrorista nos anos 70 e 80. São retratados o início de sua carreira como militante e terrorista, a aliança com os palestinos e iraquianos, o sequestro de 1975, sua relação com a militante de esquerda alemã Magdalena Kopp, seu trabalho como mercenário e o refúgio no Sudão até o momento de sua prisão. Carlos inicialmente foi produzido como uma minissérie de TV com três episódios, mas também percorreu festivais, sendo exibido em Cannes e na Mostra de São Paulo, em sessões que duravam mais de cinco horas.

A complexidade de contar a história começa pelo seu roteiro. Escrito por Assayas junto com Dan Franck e Daneil Leconte, os três episódios se passam em localidades díspares, saltando de uma cena a outra para cidades como Pais, Londres, Amã, Budapeste, Trípoli e Argel. A diversidade do longa é confirmada pelo número de línguas faladas durante suas cinco horas: inglês, francês, espanhol, alemão, russo, japonês e árabe, entre outras. Além disso, fica evidente o extenso trabalho de pesquisa realizado pela produção, que traz os bastidores políticos da época com muitos detalhes e nuances.


Com todas essas informações, seria natural se o filme se perdesse em alguns momentos, o que não acontece. Assayas usa muito bem as legendas na tela para apresentar personagens históricos importantes e localizar o espectador no tempo e no espaço, sendo auxiliado pela fotografia de Denis Lenoir e Yorick Le Saux, que utilizam diferentes filtros para retratar locais diversos - repare que as imagens feitas no Oriente Médio e na África são mais iluminadas e claras, um clichê que aqui funciona muito bem. Já os montadores Luc Barnier e Marion Monnier imprimem um ritmo forte, evitando cenas descartáveis e conduzindo o filme de forma linear, mas ágil. Além disso, a câmera na mão, muitas vezes inquieta, ajuda a dar um clima de urgência e realismo à obra. Claro que a obra também tem seus momentos mais lentos, como durante o sequestro dos membros da OPEP, que dura mais da metade do segundo "episódio", gerando uma tensão cada vez maior conforme as coisas não vão dando certo.

Contando com um enorme número de atores e personagens que entram e saem da história, Carlos não seria nada sem o seu protagonista. Nesse ponto, o trabalho de Édar Ramírez é brilhante. Atuando em diversas línguas - entre elas o inglês, o espanhol, o francês e até o alemão - Ramírez cria um personagem complexo e extramamente inteligente. Seguindo sua ideologia com uma convicção quase religiosa, Carlos possui um único fraco: as mulheres. Retratando com talento a decadência física do protagonista durante a história - ele aparece musculoso logo no início do filme para depois ser visto gordo e fora de forma, o que mostra a dedicação do ator, que engordou vários quilos para compor o personagem - Ramírez também é hábil ao mostrar as contradições de Carlos: um homem que, apoiado em ações controversas, acreditava em seus ideais, mas que, aos poucos, vai se transformando em um simples mercenário atrás de fama e reconhecimento, tornando-se, no fim das contas, o mesmo tipo de burguês que acreditava combater.

Quando soube que estava sendo feito um filme sobre sua vida e teve acesso ao roteiro do mesmo, o verdadeiro Carlos, preso na França, disse que o longa fazia parte de uma "propaganda contrarrevolucionária". Independente da posição política de cada um, Carlos é um filme obrigatório não só pelo ótimo personagem e pela retratação da época, mas para perceber como o mundo em que vivemos é bem mais complexo do que certas ideologias fazem parecer.

Carlos (França, Alemanha; 2010). Dirigido por Olivier Assayas. Com Édgar Ramírez, Nora von Waldstätten, Christoph Bach, Alexander Scheer, Alejandro Arroyo, Fadi Abi Samra, Ahmad Kaabour, Juana Acosta, Talal El-Jordi, Rodney El Haddad, Julia Hummer, Antoine Balabane, Rami Farah, Aljoscha Stadelmann e Zeid Hamdan.

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