segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Oscar 2013 e as "surpresas" esperadas

Primeiro, a cerimônia e seu apresentador. Seth MacFarlane não se saiu muito bem. A impressão era de que o comediante até tinha boas piadas, mas não sabia como contá-las. Faltou timing e ele estava claramente nervoso, ficando um tanto constrangido quando percebia que suas tentativas de humor não funcionavam. Não sei se ele volta para o ano que vem. De qualquer forma, o maior problema do evento não foi o apresentador. Seu monólogo de abertura foi até engraçadinho - principalmente pela participação de William Shatner -, mas acabou sendo longo demais, perdendo a graça. E também foi prejudicado pela insistência da Academia com os números musicais.

Aí reside o problema: o Oscar já é famoso por sua cantoria. Historicamente, sempre houve números musicais, a maioria deles cafona e sem um pingo de criatividade. Recentemente, quando Hugh Jackman apresentou o prêmio, ele também dançou e cantou no palco. Daí surpreende que a Academia mais uma vez resolva homenagear musicais. E para isso ressuscitam Barbra Streisand, Jennifer Hudson e o elenco de Chicago em apresentações longas e chatíssimas.

O fato é que nos últimos anos o Oscar vem tentando renovar seus espectadores, tentando atrair um público mais jovem, mas não parece saber como. Para conseguir isso, mostra que precisa renovar a si próprio. Só colocar os protagonistas de Vingadores, Crepúsculo e Harry Potter para apresentar um prêmio ou dois não é o suficiente. Os Oscars não precisam se transformar no  People's Choice Awards ou no MTV Movie Awards (ambos exemplos de irrelevância e estupidez), mas precisam começar a fazer um evento para quem realmente ama cinema e tem menos de 90 anos. A resposta para isso talvez esteja na própria cerimônia de ontem: a ideia de um tributo a 007 é bem bacana - apesar de não ter sido bem realizada (ressumir 50 anos de franquia a uma apresentação de Shirley Bassey é pouco). Por que não dedicar toda a cerimônia à franquia? É ao mesmo tempo popular e clássico, podendo atingir várias gerações.

Enfim, se a cerimônia foi medíocre como sempre, as premiações estavam um pouquinho mais interessantes. Mas, apesar do ar de incerteza durante boa parte da temporada, o fato é que o resultado final foi o esperado. O que aconteceu foi que houve mais uma "expectativa de surpresa" do que a surpresa em si.

Tudo isso por causa de Melhor Diretor, que serviu como 'pista falsa' no roteiro dos prêmios. Argo, de Ben Affleck, apareceu como favorito desde que começou a ser exibido em festivais, com boa recepção tanto da crítica quanto do público. Aí vieram as indicações e... Affleck estava de fora. O problema é que, logo depois da esnobada, o filme começou a ganhar tudo. Como podia um longa que não teve seu diretor indicado vencer? Algo estava errado. Mas quem poderia derrotá-lo? A resposta devia estar exatamente na categoria de direção. Benh Zeitlin era estreante, a indicação já bastava; Michael Haneke fez um filme falado em francês, difícil, com um tema pouco atraente e que pouca gente na Academia viu; sobraram David O. Russell, Ang Lee e Steven Spielberg. Era natural apostar no último, pela importância de Spielberg para Hollywood, pelo próprio estilo clássico de Lincoln e pelo grande número de indicações do filme. Seria a escolha mais óbvia.

Mas Lincoln era um falso favorito. Nas famosas prévias do Oscar, o filme vinha ganhando só os prêmios de atuação. E as chances do filme com a Academia estavam condicionadas à estatueta de direção; Lincoln só venceria se seu diretor vencesse também. Como muita gente achava que ia vencer direção, tornou-se o maior anti-Argo. Mas aí entra Ang Lee. Assim como Spielberg, o taiwanês também já tinha um Oscar na prateleira. Só que o venceu em uma edição polêmica: ele ganhou por O Segredo de Brokeback Mountain, que depois perdeu o prêmio principal para Crash, no maior vexame da última década. Além disso, Lee é um cara querido, boa pinta, extramente versátil e que fez um filme que, longe de perfeito, tinha momentos belíssimos e talvez fosse o trabalho de direção mais difícil, atrás apenas de Amor. Ao mesmo tempo, As Aventuras de Pi, apesar de seu subtexto espiritual, não era um filme com muita cara de Oscar; estava mais para Avatar do que para Discurso do Rei. Logo, Ang Lee levaria o prêmio mais pela carreira do que por qualquer outra coisa; e aí estava aberto o caminho para Argo ficar com Melhor Filme.

E então chegamos à cerimônia. Para poder vencer o prêmio principal, Argo precisaria ganhar mais estatuetas para se firmar: em especial as de montagem e roteiro adaptado. Foi o que aconteceu. Pouco depois, veio o anúncio do melhor diretor: Ang Lee, por As Aventuras de Pi. Tudo conforme o script para a vitória de Ben Affleck. Só que, então, a Academia resolveu pregar uma peça: naquela que talvez tenha sido a única boa sacada dos produtores este ano, colocaram Michelle Obama para anunciar o vencedor. Não tinha como não questionar: será que Lincoln ganharia? Afinal, era a esposa do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que poderia premiar a biografia do líder que acabou com a escravidão naquele país. Uma virada que pareceria forçada e incoerente, segundo o enredo traçado até então - como disse acima, Lincoln só ganharia se Spielberg também levasse.

Mas, no fim, acabou dando Argo mesmo. Um vencedor de Oscar digno. Não foi, de forma alguma, o melhor filme de 2012. Mas é um trabalho bem realizado, que atinge seus objetivos e que não envergonha ninguém. Está longe de chegar ao nível de um Onde os Fracos Não Têm Vez ou Guerra ao Terror, mas também não chega a Crash ou Discurso do Rei. Em uma premiação que seguiu a fórmula do bom e velho filme médio hollywoodiano - cheia de reviravolta e suspense, mas com um final previsível -, Argo acabou sendo a escolha que resume todo o processo.

Comentários específicos:

* Apenas para comprovar que o Oscar deste ano nem foi tão surpreendente assim: das 21 categorias em que apostei (ou seja, todas menos as dos curtas), eu acertei 17. Dessas, em três (atriz, desenho de produção e animação) venceram minhas segundas opções. Só em ator coadjuvante eu fui "surpeendido": não achava que Christoph Waltz fosse favorito, apostando em Tommy Lee Jones e Robert DeNiro, mesmo que no texto tenha indicado que ele poderia ganhar. Outra coisa que não previ (até porque seria muito difícil) foi o empate em edição de som, apesar de ter apostado em um dos dois vencedores (007 - Operação Skyfall).

* Falando nisso, não acontecia um empate no Oscar desde 1994, quando dois curtas de ficção levaram juntos a estatueta de sua categoria. A divisão de ontem foi a sexta da história.

* Como esperado, Daniel Day-Lewis tornou-se o primeiro ator a possuir três estatuetas da categoria principal. Ele ultrapassou Jack Nicholson, que também tem três Oscars, mas um deles como coadjuvante. Além de Day-Lewis, Sally Field, Robert DeNiro e Steven Spielberg também poderiam ter conquistado seu terceiro Oscar, mas saíram de mãos vazias.

* Ang Lee venceu seu segundo Oscar de direção sem que o filme também fosse premiado. Não é algo inédito, tendo acontecido outras duas vezes: com Frank Bozarge (em 1928 por Sétimo Céu, que perdeu para Asas; e em 1932, quando venceu por Depois do Casamento e Grande Hotel ficou com melhor filme) e com John Ford (ganhou em 1936 e 1941 por O Delator e Vinhas da Ira, perdendo, respectivamente, para O Grande Motim e Rebecca).

* Já há certa comparação entre a vitória de Jennifer Lawrence sobre Emmanuelle Riva  com o que aconteceu em 1999, quando Gwyneth Paltrow derrotou Fernanda Montenegro. Em ambos os casos, uma atriz estrangeira veterana perde para uma jovem estrela. Mas as comparações param por aí. Primeiro porque Lawrence, mesmo com poucos filmes no currículo, já se mostrou mais talentosa que Paltrow. Segundo porque, como apontou Chico Fireman, a vitória da atriz de Shakespeare Apaixonado em 99 foi fruto puro da campanha dos irmãos Weinstein, enquanto que Lawrence tem seus méritos aqui - apesar de também ter a Weinstein Co. ao seu lado. O duro para ela agora é saber qual rumo dará para sua carreira. Hollywood é notória em premiar jovens atrizes que depois desaparecem do mapa. Lawrence ainda vai continuar sob os holofotes nos próximos anos, com as continuações de Jogos Vorazes e o novo X-men, além de já estar confirmada no próximo filme de David O. Russell. Talento ela tem para ser indicada e ganhar mais prêmios.

* Os dois Oscars de 007 - Operação Skyfall (canção e edição de som) transformaram o filme no mais vitorioso da franquia. Antes dele, só Goldfinger (efeitos sonoros) e 007 Contra a Chantagem Atômica (efeitos visuais) já haviam vencido.

* Dos nove indicados a melhor filme, apenas Indomável Sonhadora saiu de mãos vazias. As Aventuras de Pi levou quatro estatuetas; Argo e Os Miseráveis, três; Django Livre e Lincoln, duas; Amor, A Hora Mais Escura e O Lado Bom da Vida, uma cada.

* E, claro, como dito acima e já esperado, Argo tornou-se o quarto filme vencedor do Oscar que não teve seu diretor indicado. Os outros três foram: Asas (1928), Grande Hotel (1932) e Conduzindo Miss Daisy (1989).

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Apostas finais para o Oscar 2013

Mesmo com toda a polêmica sobre as mudanças nas datas e na forma de votação, o fato é que o Oscar 2013 será o mais interessante dos últimos anos. Pela primeira vez em muito tempo, algumas categorias estão muito difíceis de prever - eu mesmo já mudei várias apostas nos últimos dias. Alguns vencedores já são dados como certo, mas desta vez temos aquela sensação de que tudo pode mudar na última hora. Já as categorias que premia os diretores, os atores coadjuvantes e as de roteiro - além, de certa forma, a de melhor atriz - são incógnitas, com mais de um candidato. A seguir, minhas tradicionais apostas, alternativas e os meus preferidos em cada categoria:

Melhor filme

Deve ganhar: Argo
Alternativa: O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Amor

A grande questão que vem sendo debatida desde que foram anunciados os indicados: poderá Argo vencer mesmo sem que seu diretor tenha sido indicado? Ao que tudo indica, sim. O filme tem vencido tudo. Mesmo que sempre tenha gente lembrando que Conduzindo Miss Daisy foi o único filme em oitenta anos que levou melhor filme sem ter seu realizador concorrendo, é provável que essa estatística mude este ano. E se Argo perdesse, quem seria o vencedor? Muitos apostam em Lincoln, mas eu acho mais provável O Lado Bom da Vida. Nas últimas semanas, a Weinstein Co. tem vendido a ideia de que o filme é uma história séria sobre deficientes mentais e não uma simples comédia romântica (o que ele realmente é). Harvey Weinstein tem experiência em ganhar Oscars, então nunca duvide de seu poder. Mas a tendência é que Ben Affleck ganhe o prêmio, se não como diretor, mas como produtor de seu filme.


Melhor direção

Deve ganhar: Ang Lee, As Aventuras de Pi
Alternativa: David O. Russell, O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Michael Haneke, Amor

A grande incógnita da noite. O favorito, Ben Affleck, não foi sequer indicado. Então quem vai levar? Spielberg é o nome mais fácil, mas seu filme não ganhou prêmio importante algum. Ang Lee é outro muito cotado, já que seria uma forma de homenagear um diretor versátil por um filme que parece ter muitos admiradores - e o crescimento de seu nome me leva a apostar nele. David O. Russell conta com a campanha feroz da Weinstein Co. (veja acima), então não dá para descartar seu nome. Até Michael Haneke teria uma chance pequena, uma forma da Academia consagrar um diretor importante. Já para Benh Zeitlin, a indicação já basta - afinal, em seu filme de estreia, ele já foi premiado no Festival de Sundance, em Cannes e foi indicado ao Oscar; quer mais que isso?


Melhor atriz

Deve ganhar: Emmanuelle Riva, Amor
Alternativa: Jennifer Lawrence, O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Emmanuelle Riva

O SAG colocou Jennifer Lawrence na dianteira, como favorita, e praticamente tirou as chances de Jessica Chastain. Mas no Oscar há Emmanuelle Riva, francesa, veterana, com uma atuação fantástica e em sua primeira (e provavelmente última) indicação aos 85 anos de idade. E fará 86 exatamente no dia 24 de fevereiro, data da entrega da premiação. Seria tentador para o Oscar premiar essa lenda do cinema - ainda mais porque quem deve anunciar a vencedora é o melhor ator do ano passado, Jean Dujardin, também francês. Mas vale lembrar que muitos votantes não devem ter visto Amor, então as chances de Lawrence também são grandes. 


Melhor ator

Deve ganhar: Daniel Day-Lewis, Lincoln
Alternativa: Hugh Jackman, Os Miseráveis
Em quem eu votaria: Joaquin Phoenix, O Mestre

No domingo, Daniel Day-Lewis deve se tornar o primeiro ator a vencer três vezes esse prêmio. Uma vitória justa, diga-se. Mas eu daria para Phoenix, com uma atuação igualmente monstruosa em um papel bem mais difícil. Mas é complicado questionar o prêmio para Day-Lewis.


Melhor atriz coadjuvante

Deve ganhar: Anne Hathaway, Os Miseráveis
Alternativa: Sally Field, Lincoln
Em quem eu votaria: Helen Hunt, As Sessões

Hathaway é queridinha de todos, boa atriz e chama a atenção apesar de ter pouco tempo em Os Miseráveis. Não é a melhor atuação de todas, mas tem tudo para levar. A alternativa seria a veterana Sally Field, muito boa em Lincoln. Eu votaria em Helen Hunt, mas também ficaria feliz se Amy Adams levasse. O que não vai acontecer. O Oscar é da Hathaway.


Melhor ator coadjuvante

Deve ganhar: Tommy Lee Jones, Lincoln
Alternativa: Robert DeNiro, O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Philip Seymour Hoffman, O Mestre

Tommy Lee Jones venceu o SAG e seu nome parece o mais forte. Mas é uma categoria sem favorito claro e pode acontecer uma surpresa. Se DeNiro ganhar, deve ser mais pela carreira do que pela atuação em si. Christoph Waltz também tem chances, mas ele ganhou recentemente por uma atuação semelhante. E se a Academia fosse justa, esse prêmio já era de Philip Seymour Hoffman.


Melhor roteiro original

Deve ganhar: Quentin Tarantino, Django Livre
Alternativa: Mark Boal, A Hora Mais Escura
Em quem eu votaria: A Hora Mais Escura

Tarantino deve ganhar seu segundo Oscar (Pulp Fiction também levou roteiro), por um dos seus trabalhos mais comuns. A curiosidade aqui é que em 2010 ele também concorreu, por Bastardos Inglórios, mas perdeu exatamente para Mark Boal (Guerra ao Terror). E não descartem Haneke aqui também.



Melhor roteiro adaptado

Deve ganhar: Chris Terrio, Argo
Alternativa: Tony Kushner, Lincoln
Em quem eu votaria: Lincoln

Com Ben Affleck fora do prêmio de direção, dá para dizer que o destino da estatueta de roteiro adaptado definirá quem leva Melhor Filme. Os quatro principais concorrentes estão aqui: Argo, Lincoln, O Lado Bom da Vida e As Aventuras de Pi. Chris Terrio deve levar, até porque seria o único prêmio 'principal' que o longa levaria além de Melhor Filme.


Melhor animação

Deve ganhar: Detona Ralph
Alternativa: Valente
Em quem eu votaria: Detona Ralph

O ano foi fraco para as animações. Detona Ralph acaba se destacando por ser o filme mais redondinho. A Academia poderia premiar o Tim Burton pela carreira, mas se Frankenweenie não é uma bomba, também não é digno de prêmios. Não dá pra descartar totalmente a Pixar com Valente, um filme lindo tecnicamente mas emocionalmente vazio. Eu ficaria feliz se o divertido ParaNorman levasse, mas não tem chances. Acaba que a possível vitória de Detona Ralph seria justa.


Melhor filme estrangeiro

Deve ganhar: Amor
Alternativa: O Amante da Rainha
Em quem eu votaria: Amor

Há dois anos, Haneke era o favorito e perdeu para o argentino O Segredo dos Seus Olhos. Agora deve vencer, não só porque seu filme é inegavelmente o melhor dos cinco indicados (e concorre também ao prêmio principal), mas porque a concorrência é bem fraca - tirando o chileno No, nenhum dos outros filmes representa algo especial.


Melhor documentário

Deve ganhar: Searching for Sugar Man
Alternativa: How to Survive a Plague

Não vi nenhum dos indicados. Aposto em Searching for Sugar Man por ter vencido vários precursores, incluindo os prêmios dos sindicatos dos produtores, dos diretores e dos roteiristas.


Melhor montagem

Deve ganhar: William Goldenberg, Argo
Alternativa: Dylan Tichenor e William Goldenberg, A Hora Mais Escura
Em quem eu votaria: A Hora Mais Escura

William Goldenberg vai vencer, isso é quase certo. E deve ser por Argo, já que o filme só tem chances concretas mesmo em outras duas categorias (filme e roteiro). E será merecido, apesar do trabalho em A Hora Mais Escura ser igualmente espetacular.


Melhor fotografia

Deve ganhar: Claudio Miranda, As Aventuras de Pi
Alternativa: Roger Deakins, 007 - Operação Skyfall
Em quem eu votaria: Skyfall

Será que Roger Deakins finalmente leva um Oscar para casa? Acredito que não. A competição é dura, todos os indicados são ótimos, mas As Aventuras de Pi acabe se destacando. O espetáculo visual do filme de Ang Lee chama muito a atenção e deve ganhar.


Melhor desenho de produção

Deve ganhar: Sarah Greenwood e Katie Spencer, Anna Karenina
Alternativa: Rick Carter e Jim Erickson, Lincoln
Em quem eu votaria: Anna Karenina

Anna Karenina deve levar aqui, de forma merecida. Além de Lincoln, As Aventuras de Pi também tem chances. São três grandes trabalhos, mas acho que o filme de Joe Wright merece mais.


Melhor figurino

Deve ganhar: Jacqueline Durran, Anna Karenina
Alternativa: Paco Delgado, Os Miseráveis
Em quem eu votaria: Anna Karenina

Mais um onde Anna Karenina é favorito. Mas aqui vejo chances também para o figurino de Os Miseráveis.


Melhor maquiagem

Deve ganhar: Lisa Westcott e Julie Dartnell, Os Miseráveis
Alternativa: Peter Swords King, Rick Findlater e Tami Lane, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Em quem eu votaria: O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

Aqui está talvez a única chance concreta de O Hobbit levar um prêmio. Mas o provável é que deem o Oscar para Os Miseráveis, como compensação por outras derrotas.


Melhores efeitos visuais

Deve ganhar: As Aventuras de Pi
Alternativa: O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Em quem eu votaria: As Aventuras de Pi

Basicamente Gollum vs. Richard Parker. E o tigre de As Aventuras de Pi leva boa vantagem.


Melhor edição de som

Deve ganhar: 007 - Operação Skyfall
Alternativa: As Aventuras de Pi
Em quem eu votaria: As Aventuras de Pi

As Aventuras de Pi ganhou o prêmio do sindicato, então seria o favorito. Mas como todo mundo vota e geralmente o mais barulhento leva, há chances também para Argo, A Hora Mais Escura e, principalmente, 007 - Operação Skyfall.


Melhor mixagem de som

Deve ganhar: Os Miseráveis
Alternativa: 007 - Operação Skyfall
Em quem eu votaria: Argo

Musicais tendem a levar a melhor aqui, portanto Os Miseráveis é o grande favorito.


Melhor trilha sonora

Deve ganhar: Mychael Danna, As Aventuras de Pi
Alternativa: John Williams, Lincoln
Em quem eu votaria: As Aventuras de Pi

Acredito que o favorito seja As Aventuras de Pi. Mas do outro lado há John Williams em sua 48ª indicação (incluindo trilha e musica original). Ele não ganha desde 1994, então seria uma forma de homenagear um veterano. O absurdo aqui é a não-inclusão da trilha de Indomável Sonhadora, melhor que as cinco indicadas.


Melhor canção

Deve ganhar: "Skyfall", 007 - Operação Skyfall
Alternativa: "Suddenly", Os Miseráveis
Em quem eu votaria: Skyfall

Homenagens aos 50 anos de 007. Presença de vários James Bonds no palco. Um dos melhores filmes da franquia, com o maior número de indicações. Uma música composta pela queridinha do momento. Dificilmente Adele perde esse Oscar.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Indomável Sonhadora


Indomável Sonhadora, longa de estreia do diretor Benh Zeitlin, foi uma das maiores surpresas de 2012. Exibido pela primeira vez no Festival de Sundance, o principal evento do cinema independente norte-americano, a obra logo chamou a atenção da crítica e do público, sendo considerado como um dos destaques da mostra. A curiosidade sobre o filme aumentou ainda mais quando o diretor recebeu a Câmera de Ouro, prêmio do Festival de Cannes destinado a estreantes. Se não bastasse tudo isso, o diretor foi ainda indicado ao Oscar, com Indomável Sonhadora presente em cinco categorias, incluindo melhor filme. E não é para menos: mesmo debutando na função em um longa metragem, Zeitlin mostra segurança e talento, criando um filme belíssimo e emocionante.

Com um elenco repleto de atores amadores, Indomável Sonhadora é protagonizado por Hushpuppy (a espetacular Quvenzhané Wallis, com 5 anos na época das filmagens), uma menina que vive com o pai (Dwight Henry) numa área rural devastada pelo furacão Katrina. Vivendo em uma espécie de comunidade hippie, Hushpuppy tem de lidar com seu amadurecimento, aprendendo a enfrentar os medos, a doença do pai, a vontade de conhecer a mãe e as constantes tempestades que, de uma hora para outra, devastam toda a região.

Zeitlin usa esse contexto para criar uma obra profundamente ambientalista, destacando a relação homem/meio ambiente, mas sem nunca soar panfletário. Isso fica claro pela forma como o filme retrata seus personagens: morando em um lugar devastado pelo clima instável, em meio a destroços, carcaças e pouca higiene, em nenhum momento o roteiro - escrito pelo diretor em parceria com Lucy Alibar, baseado em uma peça desta última - vitimiza esses indivíduos. Pelo contrário: há entre eles um sentimento de liberdade e total comunhão com a natureza. Não é à toa que a protagonista faz diversas comparações entre aqueles humanos e os animais, sendo que os primeiros podem ser considerados as verdadeiras 'bestas' do título original. Lutando pela sobrevivência, eles não abrem mão de sua verdadeira natureza e não apelam para tecnologia ou ferramentas, seja para sobreviverem às tempestades ou para se alimentarem.



Mas o filme só funciona mesmo por causa da relação tocante entre Hushpuppy e seu pai. Trabalhando com uma atriz tão jovem, a equipe de produção sabe que deve apelar para efeitos que melhorem o desempenho de Wallis - e a montagem do filme é muito eficiente nesse ponto. Hushpuppy surge como uma figura impressionante, forte e animalesca, mas também sensível e repleta de dúvidas e questionamentos típicos de alguém de sua idade - e se há muito mérito da direção de Zeitlin em sua atuação, não se pode duvidar da expressividade de Wallis, que se destaca mais de uma vez ao longo da história. Da mesma forma, igualmente fantástico (e injustamente ignorado pelas premiações deste ano) é Dwight Henry, que caracteriza Wink, o pai da protagonista, como um sujeito alcoólatra, duro e que não se esforça para parecer carinhoso, mas que claramente se preocupa com a menina. Os momentos de interação entre pai e filha são os melhores de todo o longa, e a química entre Henry e Wallis é muito eficiente para demonstrar a necessidade mútua que um tem do outro.

Com um estilo de filmagem lírico e poético, beneficiado pela ótima fotografia de Ben Richardson e a maravilhosa trilha sonora criada pelo próprio diretor junto com o compositor Dan Romer, Indomável Sonhadora acompanha o amadurecimento de uma criança que, a partir de seu próprio ponto de vista, aprende a lidar com seus medos, dúvidas e a enfrentar as 'bestas' do mundo. Um trabalho de gente grande, inesquecível, que ajudou a revelar ao mundo os nomes de Benh Zeitlin e Quvenzhané Wallis.

Beasts of the Southern Wild (EUA, 2012). Dirigido por Benh Zeitlin. Com Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Levy Easterly, Lowell Landes, Palmela Harper, Gina Montana e Henry D. Coleman.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Anna Karenina



Terceiro filme da trilogia dos romances literários de época dirigidos por Joe Wright (os outros foram Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação), Anna Karenina é o mais irregular. Adaptando desta vez o obra do russo Tolstoy, o longa narra a história da personagem título (Keira Knightley), uma mulher casada com o político Alexei Karenin (Jude Law) e que se envolve em um romance com o nobre Vronsky (Aaron Taylor-Johnson). Este, por sua vez, está prometido à princesa Kitty (Alicia Vikander), que é alvo da paixão do rico Levin (Domhnall Gleeson). Uma trama novelesca que também traz como personagens o casal Dolly (Kelly McDonald) e Oblonsky (Matthew Macfadyen), este último irmão da protagonista, que tentam manter um casamento fracassado e infeliz.

Gravado quase inteiramente dentro de um teatro, o que reforça o tom melodramático e pomposo da obra, a obra permite que Wright realize vários tipos de experimentações: cenários que se movem, planos-sequência estilizados, trocas de figurino em cena, etc. Aí se encontram os maiores destaques de Anna Karenina, com direito a sequências belíssimas, em especial o longo plano durante um baile que mostra, pela primeira vez, Karenina e Vronksy tendo algum tipo de contato físico. Da mesma forma, o diretor utiliza a teatralidade também como alívio cômico e abusa dos planos líricos e simbólicos. Nesse ponto, a direção de arte, a fotografia e o design de som criam uma ambientações perfeitas e mudanças completas de ares dentro de um espaço limitado.

Mas toda essa atenção dada à parte técnica e artística da obra é deixada de lado em relação ao roteiro e à narrativa. A história parece corrida, os personagens vêm e vão sem que nos identifiquemos, tudo parece batido e já visto antes. Keira Knightley chama a atenção mais por sua magreza mórbida e suas caras e bocas do que por sua personagem. Sua Anna Karenina é uma figura inconstante e tediosa, e a atriz não se esforça muito para mudar essa impressão. Por outro lado, Macfadyen possui ótimo timing cômico e carisma, enquanto Jude Law consegue demonstrar a nobreza de seu personagem - mas ainda assim suas atuações são somente corretas. Já a história envolvendo o casal vivido por Domhnall Gleeson e Alicia Vikander (que está bem melhor como a protagonista de O Amante da Rainha) é irritantemente enfadonha e toda vez que acompanhamos os personagens o filme perde bastante em ritmo.

Mesmo com vária sequências belas, o fato é que Anna Karenina é uma obra fria, sem emoção. Wright tenta apelar muitas vezes para o melodrama, mas falha quase sempre. Um filme ao mesmo tempo lindo e entediante.

Anna Karenina (Reino Unido, 2012). Dirigido por Joe Wright. Com Keira Knightley, Aaron Taylor-Johnson, Jude Law, Matthew Macfadyen, Domhnall Gleeson, Alicia Vikander, Kelly McDonald, Olivia Williams e Emily Watson.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Hora Mais Escura


É compreensível que um filme como A Hora Mais Escura gere algum tipo de controvérsia. Baseado em fatos recentes e ainda sem o distanciamento histórico aconselhável a este tipo de obra, o segundo longa da parceria entre a diretora Kathryn Bigelow e o roteirista Mark Boal vem sendo alvo de polêmicas desde o seu anúncio, há cerca de dois anos. Ao mesmo tempo em que fez aumentar o interesse pelo filme, o debate em torno do uso da tortura pelos americanos no combate ao terrorismo, da forma desonesta como foi conduzido, diminuiu as chances da dupla conquistar seu segundo Oscar seguido. Uma pena, já que a parceria cria um filme denso, detalhista e complexo, que não deve em nada ao premiadíssimo Guerra ao Terror.

Narrando de forma minuciosa a caça à Osama Bin Laden, Boal e Bigelow apresentam-nos Maya (Jessica Chastain), uma agente da CIA que acaba de ser indicada para trabalhar na busca pelo terrorista. Percorrendo as dificuldades, a burocracia e a dubiedade moral da inteligência americana, Maya transforma-se numa figura obcecada em achar Bin Laden - representando, assim, não apenas o desejo da personagem, mas de boa parte da sociedade americana. Agente talentosa, ela se dedica exclusivamente à procura pelo terrorista - em determinado momento alguém pergunta que outro trabalho ela realizou no mesmo período e ela fica sem resposta - e, quando por fim o acha, seu choro demonstra mais incertezas sobre o futuro do que alívio. Chastain cria uma protagonista forte, persistente e corajosa, que evita demonstrar sentimentos ou fragilidades, humanizando uma personagem misteriosa. Não conhecemos seu passado e isso não nos interessa - o importante aqui é a caçada em si e os fatos que nela ocorreram.

Não à toa, o filme tem sido chamado de "jornalístico" por boa parte da crítica, já que se preocupa muito com os detalhes e os percalços da operação, acima de qualquer interesse em dramatizar a história. Nesse ponto, é válida uma comparação com o também recente Argo: enquanto aquela obra tinha um interesse maior no suspense e no entretenimento, o trabalho de Bigelow é muito mais centrado no realismo, fugindo de tentativas de esticar as sequências ou intensificar as emoções. Não que faltem momentos tensos ou dramáticos em A Hora Mais Escura - há vários, beneficiados pela montagem eficiente da dupla Dylan Tichenor e William Goldenberg (que, curiosamente, também trabalhou em Argo). Mas a intenção aqui não é ser um filme de ação, mas de informação. Por isso a impressão de se tratar de um filme frio e sem emoções, não só graças à direção crua, mas também ao ótimo roteiro, repleto de diálogos e pormenores sobre a operação. Não há tentativa, por exemplo, de tornar os personagens mais palatáveis, mais humanos ou de forçar algum tipo de identificação. Ao contrário do protagonista de Argo - também um agente da CIA -, que tinha uma relação conturbada com a esposa e o filho, o roteiro de A Hora Mais Escura não cria situações dramáticas ou conflitos claros para sua protagonista. Dessa forma, ele foge dos clichês do gênero e torna a experiência de assistir ao filme ainda mais próxima do real e menos de uma obra cinematográfica.



Ainda assim, é um erro apontar que a frieza e a almejada objetividade de A Hora Mais Escura indicam que o filme quer evitar a qualquer custo fazer julgamentos. Há elementos subjetivos presentes na obra, mas eles fogem do simplismo e do maniqueísmo com o qual estamos acostumados. O filme retrata a que ponto um país chegou para enfrentar seus inimigos, escolhendo caminhos pouco nobres e moralmente questionáveis para isso. As cenas de tortura são retratadas de forma crua, feroz e impiedosa. Só um indivíduo com um caso severo de psicopatia pode se identificar, nesse caso, com o torturador e não com o torturado - mesmo que esse último seja um suposto terrorista. Depois de mostrar Maya assistindo aos vídeos dos interrogatórios, Bigelow a filma saindo da sala envolvida pela escuridão, representando o dano psicológico que aquela experiência leva à protagonista. Quando o chefe de Maya, Ben (Jason Clarke) é promovido, o longa faz questão de enfatizar sua mudança física, das roupas maltrapilhas e a barba mal-feita aos ternos e cabelos bem cortados e penteados - frisando que a tortura foi naturalizada pela CIA, levando, inclusive, a postos mais elevados. Essa hipocrisia fica clara no momento em que os agentes discutem as informações que possuem (obtidas, é claro, através da tortura), enquanto que na TV o presidente eleito Barack Obama nega o uso desse tipo de interrogatório.

Fugindo das soluções fáceis e das convenções do gênero, A Hora Mais Escura só incomoda a quem enxerga o mundo de forma maniqueísta (seja na luta do 'bem' contra o 'mal', do 'certo' contra o 'errado', da 'direita' contra a 'esquerda', etc.). Em uma das "polêmicas" cenas de tortura, o personagem de Jason Clarke discute com um terrorista - e enquanto o primeiro cita o sofrimento do 11 de setembro, o segundo fala sobre os constantes bombardeios americanos contra inocentes no Afeganistão. Ao colocar no mesmo patamar esses dois indivíduos e ao não florear os atos da CIA, retirando qualquer indício de heroísmo e dramaticidade de suas ações, Bigelow faz um filme que, na sua 'objetividade', nos faz refletir sobre o mundo cínico em que vivemos.

Zero Dark Thirty (EUA, 2012). Dirigido por Kathryn Bigelow. Com Jessica Chastain, Jason Clarke, Jennifer Ehle, Kyle Chandler, Harold Perrineau, Jeremy Strong, Reda Kateb, James Gandolfini, Stephen Dillane, Mark Strong e Joel Edgerton.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013


A primeira coisa que se nota assim que se começa a assistir No é a sua fotografia. Gravado em Betacam, o popular videotape, comum nas transmissões televisivas e nos vídeos amadores dos anos 1980 e 90, a escolha estética se revela brilhante para os propósitos e a temática do filme. Primeiro pela imersão na história, fazendo com que todo a narrativa se torne mais realista, quase documental; segundo porque a imagem e os recursos audiovisuais são os temas centrais do longa de Pablo Larraín, que analisa o uso da publicidade e o quanto a mercantilização de valores pode acabar sendo nociva para a sociedade.

O ano é 1988, quando a ditadura do general Pinochet vive seus últimos dias. Buscando legitimidade internacional, o governante impõe um plebiscito onde a população irá decidir se os militares continuam no poder ou se a ditadura chega ao fim. A oposição, a princípio, duvida da confiabilidade daquele pleito, mas decide participar ao perceber a chance do retorno à democracia. O protagonista é René Saavedra (Gael García Bernal), um publicitário talentoso contratado pelos adeptos do 'Não' para tentar convencer a população a votar pelo fim do regime durante os 15 minutos diários que possuem na TV.

A partir daí, o longa não se limita a apenas descrever os acontecimentos (reais) daquela época, mas também discutir o papel central da publicidade seja nas campanhas política e no nosso dia-a-dia. René é retratado como um indivíduo alienado e individualista - um sujeito que, ao ver um comício pelo 'Não' ser interrompido pelas forças policiais, preocupa-se mais com seu carro do que com as pessoas feridas. Vivido de forma corretamente impassível por Bernal, o protagonista é pragmático ao ponto de discutir com seus colegas sobre a inclusão do depoimento de mães que perderam seus filhos na luta contra o governo - algo que emociona a maioria, mas que para René pode prejudicar a causa por não passar a alegria e a felicidade típicas de uma propaganda de margarina.

Essa discussão sobre a comercialização de valores percorre todo o filme. E a conclusão a que o filme chega é bastante pessimista. Não que a obra renegue a importância da publicidade na difusão de ideias e informações, mas vê como um problema a forma como ela o faz. Ao resumir ideais como democracia e liberdade a esquetes de humor e a jingles, a propaganda simplifica questões mais complexas. Não é a toa que, conforme a campanha vai se tornando mais acirrada, tanto o 'Sim' como o 'Não' começam a se atacar e a copiar as estratégias um do outro, empobrecendo o debate. Perde-se a noção de que o que está em jogo é mais do que palavras, produtos ou marcas, mas o futuro político de um país.

Essa dicotomia realidade/ficção atinge até mesmo uma representação metalinguística. Como o filme usa muitos videotapes das propagandas, a sua própria fotografia - a suposta realidade - se mistura com aquela da publicidade. Essa sensação de documentário aumenta pelo fato de vermos os indivíduos que participaram daquele momento político em curtas pontas durante a história. Sabendo disso, Larraín cria elementos que expõem a artificialidade da linguagem, como ao introduzir cortes bruscos e mudanças de locação em alguns diálogos. É como se o diretor dissesse que, apesar de inspirado em fatos, o filme não deixa de ser uma história de ficção, não se confundindo com a própria realidade - e o mesmo valeria para as propagandas vistas na história.

No mostra a influência da propaganda em nossa sociedade, mas não a superestima - depois da vitória do 'Não', vemos um René atônito diante da festa promovida pela população; e aí percebemos que o que moveu de verdade aquelas pessoas a votarem não foi apenas a propaganda, mas algo mais. Ainda assim, o recado final passado pelo longa é pessimista: quando o protagonista apresenta aos seus novos clientes a peça promocional de uma novela, o que ele mostra é uma reportagem jornalística, algo que supostamente deveria representar a realidade e servir ao interesse geral da população e não seguir interesses mercadológicos. No, assim, deixa de ser simplesmente um filme sobre a redemocratização do Chile e se transforma em uma obra bastante atual.

No (Chile, 2012). Dirigido por Pablo Larraín. Com Gael García Bernal, Alfredo Castro, Antonio Zegers, Néstor Cantillana, Luis Gnecco, Jaime Vadell, Marcial Tagle e Pascal Montero.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Mestre


"Se você descobrir como viver sem servir a um mestre, qualquer mestre, então conte para o resto de nós. Porque você seria a primeira pessoa na história do mundo."
(Lancaster Dodd, O Mestre)

Dizer que O Mestre é apenas um filme sobre a origem da Cientologia é um reducionismo que não faz jus à obra. Há nele referências ao culto - chamado aqui de 'A Causa' -, mas também a diversos outros movimentos liderados por figuras cativantes que misturam espiritualismo, frases de auto-ajuda, vidas passadas, pseudociência e técnicas de sugestão psicológica. Mas, acima de tudo, o filme é um estudo de personagens, da natureza humana, dos nossos instintos animais e da forma vã como tentamos controlá-los.

Freddie Quell (Joaquin Phoenix) é um sujeito destruído pela guerra e alcoólatra a ponto de esvaziar o combustível de uma bomba para bebê-lo. Inconsequente, toma atitudes ríspidas e não parece se identificar com nenhum lugar em que permanece. Para ele a rotina é exaustiva, a vida é uma viagem eterna, as mudanças precisam ser constantes. Interpretado de forma colossal por Phoenix, Freddie é um sujeito curvado, de expressões animalescas e temperamento inconsistente. A comparação com a vida selvagem é válida - e feita durante todo o filme: ele é um indivíduo que preza pela liberdade, pelas atitudes inesperadas, pelo comportamento ora agressivamente dócil, ora explosivo.

Já Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman) é o controle em pessoa. Afável, calculadamente simpático e carismático, usa o riso para se aproximar de seus seguidores. Sujeito inteligente, aposta na lábia infalível e em seu conhecimento da psique humana para lançar o que ele chama de teorias científicas mas que no fundo sabe se tratar de meras manipulações e especulações filosóficas. A atuação de Hoffman é hipnotizante na maneira como diz cada frase, calma e pausadamente, fazendo com que percebamos facilmente a capacidade de influência do sujeito; ou quando nos faz identificar sua irritação por trás da máscara do líder sábio e bem humorado. Porque o mestre do título também tem momentos de explosão animal e de desejo que ele falha em controlar, principalmente ao ser questionado sobre seus métodos e suas teorias.

É na relação entre esses dois personagens que o filme ganha força e magnitude. Dodd enxerga em Freddie uma cobaia para seus experimentos mas, ao mesmo tempo, há uma mútua dependência de ambas as partes: o mestre enxerga em seu discípulo a indisciplina e o desafio de controlar seus instintos animalescos; enquanto que esse último vê no líder uma rara chance de ser entendido e aceito, seguindo cegamente os ensinamentos dele, mesmo sem compreendê-los de todo. A dicotomia e as diferenças entre essas duas figuras são frisadas durante toda a obra, assim como a tentativa de controle de um sobre o outro.



Nesse embate entre a fúria animalesca e o controle moral e racional, chama a atenção também a esposa de Lancaster Dodd, Peggy, interpretada com dedicação por uma excelente Amy Adams. Talvez a personagem mais entregue ao culto, Peggy surge como a encarnação do fanatismo religioso, da paixão cega a ideias e da intolerância a qualquer tipo de questionamento sobre sua fé. Sua obsessão pela Causa e pelo esposo fazem com que tente protegê-lo ao máximo, repreendendo-o ao ceder a seus 'instintos' e tentando - sem sucesso - fazer com que se afaste de Freddie.

Paul Thomas Anderson filma todos esses detalhados personagens com um extremo cuidado estético e simbólico. Seu filme é profundamente reflexivo, com cada plano, cada sequência, cada diálogo trabalhados de forma sublime e evocativa. A narrativa não linear, repleta de flashbacks e planos puramente simbólicos, assim como a trilha sonora ora bela, ora dissonante de Johnny Greenwood, ajudam a construir uma história que, assim como seu protagonista, revela-se fragmentada. Há instantes que são puramente geniais, como quando vemos um plano de Dodd no elevador cercado por seus seguidores - onde a iluminação e o posicionamento dos atores em cena dão exatamente a impressão de que todos servem como escudo contra as críticas que ele recebe ou que virá receber. Outros momentos ajudam a mostrar as diferenças de temperamento e filosofia dos dois principais personagens: seja quando são presos - e Freddie mais uma vez tem um ataque de fúria, enquanto Dodd permanece calmo -, seja na belíssima sequência em que partem para andar de moto no deserto - e se o líder do culto permite-se um raro momento de inconsequência, mas logo voltando seguro ao ponto de origem, o protagonista usa aquele instante para mais uma vez fugir, reafirmando-se como um sujeito que anseia por liberdade.

No fundo, ao contrário do que propõe o mestre Lancaster Dodd, somos todos animais que tentam domesticar seus instintos através explicações metafísicas e filosóficas autoimpostas - que falham na quase totalidade dos casos. E Paul Thomas Anderson segue, filme após filme, se firmando como um dos cineastas mais brilhantes surgido nos Estados Unidos nos últimos 30 anos. Ele é o verdadeiro mestre aqui.

The Master (EUA, 2012). Dirigido por Paul Thomas Anderson. Com Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams, Laura Dern, Jesse Plemons, Ambyr Childers, Rami Malek, Madisen Beaty e Amy Ferguson.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis


A vitória de O Discurso do Rei, e particularmente de seu diretor, Tom Hooper, no Oscar, há dois anos, foi imediatamente tratada como um dos maiores vexames da história da premiação. Não era para menos: burocrático e narrativamente ultrapassado, o longa poderia até ter se tornado uma obra mais relevante não fosse a direção equivocada do cineasta. Tentando criar um tipo de "estilo", mas sem entender como, o filme abusava de efeitos bobos e enquadramentos pouco convencionais, que chamavam mais atenção para si mesmos do que serviam para dar substância à história. Agora Hooper retorna com a adaptação do musical da Broadway Os Miseráveis (por sua vez inspirado na obra do escritor Victor Hugo), um trabalho ousado e grandioso. E mais uma vez as decisões equivocadas do diretor limitam o potencial da obra.

O filme narra a saga de Jean Valjean (Hugh Jackman), o um preso em condicional perpétua que muda de identidade e decide fazer apenas o bem depois de ser ajudado por um bondoso bispo. Perseguido pelo inspetor de polícia Javert (Russell Crowe) por estar foragido, Valjean se torna prefeito de uma cidade do interior francês, onde conhece Fantine (Anne Hathaway), uma jovem que, depois de passar por diversos infortúnios, fica gravemente enferma. Valjean então promete cuidar da filha de Fantine, Cossette (vivida por Isabelle Allen na infância e por Amanda Seyfried na vida adulta), ao mesmo tempo em que tenta escapar do incansável Javert. Ambientado nos tumultuados século XIX, o filme também tem como pano de fundo os conflitos políticos da época, levando à tela as temáticas da obra original, como a luta contra o autoritarismo e a desigualdade. Tudo isso ao som de muita cantoria: por escolha da produção, as músicas não se restringem a números isolados, mas ocupam todos os diálogos do filme.

Mesmo despertando certo estranhamento a princípio, a cantoria não atrapalha o andamento do filme, mas a experiência de assisti-lo torna-se um pouco cansativa graças às suas quase duas horas e meia de duração. A decisão de por os atores para cantar ao vivo, captando o som das canções durante as filmagens, e não em estúdio, revela-se acertada: a emoção passada pelas atuações surge genuína. A opção de Hooper em filmar os atores através de planos longos e com destaque para suas expressões potencializa as atuações mas, ao mesmo tempo, o excesso de closes é nocivo para os aspectos técnicos do filme. Com tantos planos fechados, são poucos os momentos em que a direção de arte e os figurinos cumprem seu papel - como, por exemplo, ao trazer os revolucionários vestidos sempre com as cores da bandeira francesa. Já a maquiagem é eficiente ao caracterizar a decadência física e emocional de Valjean e Fantine, mas falha no envelhecimento de alguns personagens, em particular Javert, cuja aparência permanece a mesma durante toda a história, mesmo tendo-se passado quase 30 anos desde o seu princípio.



Exatamente por causa do próprio estilo de filmar de Hooper e da temática do longa, Os Miseráveis depende em demasia de seu elenco e do desenvolvimento de seus personagens. Infelizmente, só um desses aspectos funciona e Jean Valjean e Javert se tornam os únicos seres tridimensionais da obra. Hugh Jackman apresenta aqui o melhor trabalho de sua carreira, demonstrando seu talento como cantor (ele já tem experiência na Broadway), e cria um Valjean que foge do estereótipo simples do bom samaritano ao demonstrar as dúvidas e dilemas do protagonista, seja com sua expressão triste e cansada, seja apenas com a raiva e o arrependimento no olhar. Já Javert revela-se o ser humano mais complexo, um sujeito que acredita na ordem e na obediência acima de tudo, mas que se vê perdido ao perceber que o mundo não é tão fácil de ser dividido em os bons e os maus - e apesar de Crowe ser um grande ator, o mesmo não pode ser dito de sua capacidade musical, revelando-se como um cantor ruim, algo que compromete muito seu trabalho. Já Anne Hathaway consegue fazer emocionar mesmo com pouco tempo em tela; e seu desempenho em I dreamed a dream consegue gerar empatia mesmo sem conhecermos o seu passado de Fantine (ao contrário do livro, o filme já se inicia com ela decadente, o que causa pouco impacto). O mesmo acontece com os personagens introduzidos no segundo ato: sem tempo para desenvolvê-los, o roteiro aposta em caricaturas (o revolucionário sonhador e o pragmático; a garota apaixonada que não é correspondida; a criança rebelde). O fato é que Os Miseráveis atinge o seu ápice emocional na primeira meia hora da narrativa, um problema grave para qualquer história.

Mas o problema não termina aí, já que durante toda a obra, as limitações de Tom Hooper como diretor ficam evidentes. Sem demonstrar possuir noções básicas de linguagem cinematográfica, como a função de cada plano e o posicionamento dos atores em cena, Hooper comete os mesmos vícios de filmagem já vistos em O Discurso do Rei: basicamente alternando planos inclinados, filmados com lentes grande-angulares e com os rostos dos atores nos cantos, tudo isso de forma randômica e sem função aparente. Pior: além de deixar de lado qualquer representação simbólica que se possa fazer dessas escolhas, o diretor e o fotógrafo Danny Cohen sequer parecem se preocupar com a beleza estética do longa, já que chegam a mutilar o rosto de seus atores nos planos mais fechados - cerca de 80% do longa, diga-se. Não que vez ou outra não apareça uma imagem mais bem executada e que possa trazer algum significado (como aquela que traz Valjean e uma cruz na parede), mas elas parecem mais terem acontecido acidente do que algo intencionalmente pensado pelo diretor. E sua mediocridade também aparece nos próprios números musicais, que surgem pouco inspirados, limitando-se a longas tomadas dos atores cantando em primeiro plano - o que nos faz pensar que a única diferença que Hooper enxerga entre o cinema e o teatro é que no primeiro pode-se ver os atores em closes. É difícil, portanto, imaginar que um sujeito medíocre como esse tenha um Oscar de direção em sua prateleira.

A impressão que se tem ao final é que o filme só se torna assistível graças às obras que o originaram: tanto o livro de Victor Hugo quanto sua adaptação para a Broadway; além, claro, do desempenho de seus atores. Teatral, mesmo tentando soar realista, Os Miseráveis tinha potencial de se tornar uma obra memorável, mas é atrapalhado pelas limitações evidentes de seu realizador.

Les Misérables (Reino Unido; 2012). Dirigido por Tom Hooper. Com Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Aaron Tveit, Samantha Barks, Daniel Huttlestone e Isabelle Allen.