quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas


Até meados do ano passado, Apichatpong Weerasethakul era conhecido apenas por espectadores de festivais e do circuito independente. Quando Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2010, seu estranho nome tornou-se famoso mundialmente por todos que acompanham cinema. Tio Boonmee é peculiar pelo fato de ser um filme diferente de tudo que chega às nossas telonas, o que o torna ainda mais interessante.

O tio do título, interpretado por Thanapat Saisaymar, está à beira da morte por causa de uma falência renal e resolve passar seus últimos dias de vida em uma fazenda no interior da Tailândia. Juntos estão um sobrinho e a irmã. É quando ele começa a receber visitas de sua esposa morta e de seu filho desaparecido, transformado em uma criatura da floresta.

A história assim descrita pode parecer linear, mas Weerasethakul não entende cinema como algo a ser resumido por sua narrativa. Ele utiliza a imagem para passar ideias acima de tudo. Pode parecer estranho ao espectador quando o filme interrompe a narrativa principal para mostrar um episódio envolvendo uma princesa, que aparentemente não tem nenhuma relação com Boonmee. Da mesma forma, a sequência final envolvendo a irmã de Boonmee e um budista poderia parecer dispensável se persarmos de forma casualística.


Mas Weerasethakul não tem essas preocupações. Seu filme é acima de tudo contemplativo. Os planos são longos, abertos. O tempo é bastante lento, tanto na duração das tomadas quanto no próprio ritmo das sequências e das atuações. Fundamental também é o design de som, que nos transporta exatamente para o mato, para as origens do homem e da vida.

Tio Boonmee é, enfim, um filme sobre a comunhão do homem com a natureza. A morte seria apenas mais uma etapa da existência. Fundamentado na cultura budista, Weerasethakul critica a alienação dos humanos, que se preocupam demais com questões puramente materiais como beleza, guerras e dinheiro. Nós só encontramos a paz quando deixamos de nos preocupar com essas coisas, seja através da morte (caso da mulher de Boonmee) ou pela fuga e retorno à natureza (como o filho). Não à toa que o protagonista decide morrer em uma caverna, debaixo da terra, na origem de tudo.

Apesar da exposição deste filme, é improvável que os próximos trabalhos de Weerasethakul ganhem mais espaço no circuito comercial, continuando restrito às mostras e festivais. É um tipo de cinema que revela um outro mundo, muito distante, mas que deveria ser bem mais conhecido e debatido.

Loong Boonmee raleuk chat (2010). Dirigido por Apichatpong Weerasethakul. Com Thanapat Saisaymar, Jenjira Pongpas, Sakda Kaewbuadee e Natthakarn Aphaiwonk.

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