sábado, 12 de março de 2011

Rango

O protagonista de Rango, primeira animação produzida pela Industrial Light & Magic, é um camaleão que vive sozinho numa caixa de vidro, criado por um casal humano. Para passar o tempo, ele inventa histórias e personagens fantásticos. Isso impede que tenha uma vida solitária e enfadonha. Até que um acidente muda tudo e ele acaba perdido no meio do deserto. E aí que o filme de fato começa e o camaleão sem nome se vê em uma cidade típica do velho oeste americano, habitada por animais antropomórficos iguais a ele. Usando sua já conhecida habilidade em criar histórias, adota um nome, Rango, e se transforma perante a população local em um valente pistoleiro, que logo vira xerife. Seu primeiro objetivo é descobrir para onde está indo a água que antigamente banhava o vale e, para isso, tem que pôr à prova sua propagada valentia.

O roteiro de Rango, escrito por John Logan a partir de uma história criada por ele junto com James Ward Byrkit e o diretor Gore Verbinski, é uma clara homenagem à capacidade do cinema em alimentar a imaginação das pessoas. O filme explora um gênero popularizado graças à sétima arte: o faroeste. São inúmeras as referências, principalmente aos longas criados pelo diretor italiano Sergio Leone – os famosos westerns spagetthis. Mais do que isso, é uma história que consegue misturar com bastante eficiência a diversão pura e o desenvolvimento dos personagens, não abrindo mão de nenhum desses aspectos. O texto também aposta em diálogos espertos e verborrágicos, característica dos trabalhos anteriores de seu diretor.

Verbinski, que ficou famoso ao dirigir os três primeiros Piratas do Caribe, filmes que também apostavam em figuras carismáticas e em histórias rocambolescas, aqui volta a usar as mesmas artimanhas para cativar a plateia. As inúmeras reviravoltas, piadas de duplo sentido e entrada e saída de personagens podem deixar o espectador confuso em determinado momento, mas o diretor é hábil ao conduzir o filme sem maiores problemas. Chama atenção também pelas cenas de ação, que empolgam ao mesmo tempo em que deixam claro para o espectador o que está acontecendo.


Mas, acima de tudo, o que mais se destaca é a capacidade técnica da ILM. Estreando em animações, a empresa de efeitos visuais cria um filme primoroso tecnicamente. A criação dos ricos personagens, cada um com uma personalidade própria, remetendo figuras clássicos dos filmes de Leone (há homenagens a Lee Van Cleef, Gian Maria Volonté, Klaus Kinsky e, claro, Clint Eastwood), é feita com muito cuidado. Notem, por exemplo, os pequenos detalhes das roupas, da textura em suas peles e de pequenos movimentos faciais que quase passam despercebidos. Ótimo também é o trabalho da direção de arte na construção dos cenários, desde o árido deserto até o interior pomposo da casa do prefeito, passando pelos cânions que aparecem em determinado momento do longa. A fotografia, aliás, contou com supervisão do talentoso Roger Deakins, sendo belíssima (pergunta: como esse cara ainda não ganhou um Oscar?). Tudo isso pontuado pela ótima trilha de Hans Zimmer, em mais um brilhante trabalho, que remete aos temas clássicos criados por Ennio Morricone.

Rango é uma ótima estreia da ILM no ramo das animações, devendo agradar a todos os tipos de público. Um belo começo para a empresa fundada por George Lucas e que já havia ajudado a criar mundos e personagens fantásticos para o cinema, contribuindo para alimentar a imaginação de cinéfilos de várias gerações.

Rango (EUA, 2011). Dirigido por Gore Verbinski. Vozes de Johnny Deep, Isla Fisher, Abigail Breslin, Ned Beatty, Alfred Molina, Bill Nighty, Stephen Root, Harry Dean Stanton, Ray Winstone e Timothy Olyphant.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Bruna Surfistinha

Durante o primeiro programa de Raquel Pacheco, verdadeira identidade de Bruna Surfistinha, o diretor Marcus Baldini fecha o quadro no rosto da jovem, num plano que dura vários segundos. A partir de determinado instante, ainda expressando a dor que sente, a protagonista interpretada por Deborah Secco passa a olhar diretamente para a câmera. A cena é um claro recado ao espectador: ela está desafiando-o a julgá-la por seus atos.

Raquel era uma menina de classe média, que estudava em um colégio particular e vivia uma vida confortável. Ela abre mão disso, abandona seu passado e se entrega à protistuição como um demonstração de rebeldia e independência. Jovem e atraente, sua fama aumenta depois que inicia um blog em que relata suas experiências profissionais. O filme de Baldini, baseado no livro "O Doce Veneno do Escorpião", escrito por Raquel, retrata essa transformação da moça, de uma menina aparentemente inocente que acaba se tornando a garota de programa mais concorrida da cidade.

Com uma estrutura narrativa linear, o roteiro emprega alguns flashbacks apenas no início do filme, levando o espectador a conhecer um pouco da juventude de Raquel. Retratada como uma moça inocente tanto pelo texto de José de Carvalho, Homero Olivetto e Antônio Pellegrino quanto pela interpretação de Secco, a jovem inicialmente não convence como uma menina capaz de largar tudo para virar prostituta. O filme tenta mostrar, por exemplo, ela se esforçando para parecer sensual em uma exibição na webcam, fracassando na tentativa. Mas logo em seguida, Raquel se recusa a aceitar os avanços de um colega da escola que tenta abusá-la. Somos apresentados a uma personagem complexa, que enxerga a sensualidade e prostituição como forma de independência e maturidade. Uma pena que o longa tente criar conflitos artificiais para justificar a decisão da menina, como o relacionamento conflituoso com o pai e o irmão, além da sensação de exclusão na escola.

Mas isso não torna o longa pior. Sem julgar a personagem em seu início, acompanhamos o início da "carreira" de Raquel e sua transformação em Bruna.  Deborah Secco acaba surpreendendo, segurando muito bem o filme. Inicialmente curvada, com um olhar tímido e jeito de menina, a atriz se sente mais à vontade a partir da segunda metade do filme, quando Bruna já está mais experiente, tendo noção de seu poder sobre os homens. Confiante, não tem medo de seduzir um policial para escapar de uma multa de trânsito, destacando-se diante de suas colegas. Ousada e independente, ela rapidamente alcança clientes mais poderosos e, demonstrando inteligência, aposta na autopromoção para fazer seu nome e mexer com as fantasias dos visitantes de seu blog.


Baldini realiza a transformação de Bruna de menina em mulher com ajuda de sua fotografia. Inicialmente com pouca profundidade de campo, refletindo a introspecção e insegurança da moça, as lentes se abrem mais para o final do filme, quando ela já não parece ter mais pudor ou medo. O diretor também é eficiente nas cenas cômicas, principalmente ao retratar os diferentes clientes de Bruna. Clientes estes que são mostrados, em sua nudez, de forma crua diante das câmeras: gordos, magros, feios e esquisitos em sua maioria, o que serve para tirar um falso romantismo dos atos sexuais praticados pela garota de programa. É nas relações da moça com os homens que residem os melhores momentos do longa, servindo algumas vezes como alívio cômico e em outras para desenvolvimento da personagem.

Infelizmente, o que caminhava bem é arruinado pela última meia hora do filme. Mudando completamente de tom, o longa assume de repente um olhar moralista sobre a protagonista. Isso fica claro, inicialmente, com a mudança brusca de comportamento de Gabi (Cristina Lago), a amiga que se transformou em uma espécie de secretária de Bruna. A moça, também garota de programa, passa a condenar as atitudes de Raquel repentinamente, num artifício para alertar o espectador de que aquilo não teria um final bom. Logo depois, o filme tenta afundar a protagonista em um tipo de decadência que soa artificial, tornando-se melodramático e maniqueísta. Próximo ao fim do longa, Bruna reencontra um cliente antigo, que a fez sentir prazer na primeira vez a ponto dela não cobrar pelo programa. Só que nessa segunda ocasião, ela age com mais "profissionalismo", numa tentativa boba do roteiro em mostrar a perda de valores da moça. É esse tom moralista que passa a ser empregado, enfraquecendo a construção que vinha sendo feita até então, resumindo Bruna, em seus instantes finais, a uma caricatura.

Essa mudança repentina acaba arruinando o que seria um belo estudo de personagem. É como se os próprios realizadores estivessem aceitado o desafio da moça no início e, covardemente, resolvessem condená-la. Um atentado contra uma protagonista complexa e surpreendente.

Bruna Surfistinha (Brasil, 2011). Dirigido por Marcus Baldini. Com Deborah Secco, Cássio Gabus Mendes, Drica Moraes, Cristina Lago, Fabíula Nascimento e Guta Ruiz.

terça-feira, 1 de março de 2011

E no Oscar 2012?

Se o ano no Brasil só começa depois do carnaval, para o cinema norte-americano ele só se inicia mesmo após o Oscar. Encerrada a temporada 2011, já se começa a prever quais serão os indicados do ano que vem. Tentando fazer um exercício de futurologia e olhando alguns lançamentos deste ano, o blog traz alguns prováveis nomes que devem estar na festa em 2012. Claro que até lá muita coisa pode (e deve) mudar, favoritos cairão e surpresas aparecerão. Mas conhecendo a Academia, não custa nada apostar.


A Árvore da Vida. Direção: Terrence Malick.

A Árvore da Vida demorou tanto tempo para sair que quase se tornou uma lenda. Malick ficou consagrado nos anos 70 ao realizar dois belíssimos trabalhos, Terra de Ninguém e Cinzas no Paraíso. Depois de vinte anos parado, voltou em 1998 com Além da Linha Vermelha, pelo qual foi indicado a melhor diretor, melhor roteiro e melhor filme. A Árvore da Vida está previsto para estrear no Festival de Cannes, em março, e já está sendo considerado como aposta certa entre os indicados ao Oscar 2012. O filme terá como protagonistas Brad Pitt e Sean Penn, dois nomes fortes que podem ter suas atuações lembradas também.


Os Homens que Não Amavam as Mulheres. Direção: David Fincher.

Para quem, como eu, ficou indignado com a derrota de Fincher na premiação deste ano, a espera por uma "compensação" pode nem durar muito. O novo trabalho do diretor, adaptação hollywoodiana do best seller de Stieg Larsson, chega ao cinemas no final de dezembro, época crucial para os possíveis candidatos. É de se esperar que, com o talento de Fincher por trás das câmeras, o filme seja melhor que a fraca versão do sueco Niels Arden Oplev. E  Rooney Mara, a paixão platônica de Mark Zuckerberg em A Rede Social, pode beliscar uma indicação a melhor atriz, já que ela passou por uma grande transformação física para viver a protagonista Lisbeth Salander (foto). Todos sabem o quanto a Academia adora essas coisas. No elenco também estão Daniel Craig e Stellan Skarsgard.


Super 8. Direção: J. J. Abrams.

Super 8 é a minha aposta para o espaço que parece reservado a "blockbusters inteligentes" e que foi ocupado por A Origem este ano e por Distrito 9 em 2010. O novo filme de J. J. Abrams (depois de Star Trek, que muita gente esperava que fosse lembrado em 2010 e acabou ignorado) ainda é muito misterioso, com apenas um teaser enigmático exibido no Super Bowl. A história parece ter extraterrestres, militares e crianças. Lembrou Spielberg? Pois é, ele é um dos produtores. E por falar nele...


War Horse. Direção: Steven Spielberg.

A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan. Ambos dirigidos por Spielberg. Ambos se passavam durante a Segunda Guerra Mundial. Ambos renderam a ele dois Oscars de direção, além de terem sido indicados a melhor filme (Schindler levou, Ryan perdeu). Pois agora ele volta a fazer um filme com uma guerra como pano de fundo. War Horse conta a história de Albert e seu cavalo, que é vendido à cavalaria do exército e enviado às trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Mesmo jovem para se alistar, Albert vai à França para resgatá-lo. O enredo tem tudo para emocionar a Academia e todos sabemos que Spielberg é mestre no assunto. O protagonista é o estreante Jeremy Irvine.


A Invenção de Hugo Cabret. Direção: Martin Scorsese.


Um filme infantil não parece se encaixar muito no Oscar. Mas este não é um filme infantil qualquer. É um filme infantil dirigido por Martin Scorsese. E a primeira incursão do diretor na tecnologia 3D. De qualquer forma, é uma aposta arriscada. Ajuda o fato de que lançamento do longa será em dezembro, época das premiações. E como a Pixar não parece vir com tanta força em 2011, a vaga que parece reservada a ela pode passar para este filme. O elenco é sensacional: Chloe Moretz, Jude Law, Christopher Lee, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Michael Stuhlbarg e Michael Pitt.


Young Adult. Direção: Jason Reitman.

Um escritor divorciado retorna a sua terra natal e reencontra uma antiga paixão, que agora está casada e possui uma família. A sinopse não entrega muita coisa. O que importa é que o filme é o retorno da parceria entre Reitman e a roteirista Diablo Cody, que já rendeu indicações (e prêmios) a Juno. Reitman parece ser um queridinho da Academia, tendo sido lembrado também por Amor Sem Escalas. Logo, não pode ser ignorado.


The Iron Lady. Direção: Phyllida Lloyd.

Assim que foi anunciado que Meryl Streep interpretaria a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher nesta biografia todo mundo já começou a falar em Oscar. Não é para menos. Deverá ser a 17ª indicação e ela pode voltar a ganhar o prêmio 19 anos depois de sua última vitória. O que pode atrapalhar é o fato do filme ser dirigido por Phyllida Lloyd, a mesma do terrível Mamma Mia!.



My Week With Marilyn. Direção: Simon Curtis.

Já que temos Meryl Streep como Margareth Tatcher, que tal Michelle Williams como Marilyn Monroe? A Academia adora interpretações de figuras históricas, então podemos esperar que Williams receba sua segunda indicação seguida a melhor atriz. E o filme também tem chances. Afinal, conta uma história real dos bastidores da indústria e de um ícone da cultura pop. O elenco também tem Kenneth Branagh, Judi Dench e Emma "Hermione" Watson. Ah, e o mais importante: a direção é de um inglês desconhecido e a produção executiva é dos irmãos Bob e Harvey Weinstein. Só eu tenho a sensação de dejà vu?


Like Crazy. Direção: Drake Doremus.

Like Crazy ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Sundance deste ano. E como os últimos anos têm mostrado, a Academia tem dado bastante atenção ao cinema independente. Basta ver que longas como Preciosa e Inverno da Alma também começaram o ano premiados em Sundance e acabaram no Oscar. Fiquem de olho também em Felicity Jones. Assim como Gabourey Sidibe e Jannifer Lawrence, ela pode beliscar uma indicação a melhor atriz por sua elogiada performance (também premiada).

Atualização (2/3): O The Playlist também fez uma lista com possíveis indicações a melhor ator/atriz. Alguns são os mesmos desse post, mas vale a pena dar uma olhada.