terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Melhores de 2013 - Parte 2

2013 chega ao fim e com ele a lista definitiva dos melhores filmes do ano. A lista a seguir não conta com alguns filmes que perdi (dois que vejo em muitas listas por aí e não consegui assistir a tempo são Rush e Um Toque de Pecado), mas não tem alguns queridinhos da crítica que para mim foram muito superestimados (como Os Suspeitos, Django Livre e Frances Ha). Outros, como Era uma vez na Anatólia e Tabu, que só estrearam em nossos cinemas este ano, já estiveram presentes em listas de anos anteriores. Mas vamos direto ao assunto, com o top 10 de 2013:



10. Gravidade (Gravity; EUA), dirigido por Alfonso Cuarón

Se o 3D serviu para algo no cinema foi para tornar a experiência de assistir a Gravidade em uma sala escura inesquecível. Com uma sequência espetacular depois da outra, Cuarón se afirma como um dos cineastas mais visionários do nosso tempo, com um domínio perfeito da linguagem cinematográfica.




9. Além das Montanhas (Dupa Dealuri; Romênia), dirigido por Cristian Mungiu

Mesmo sem ter a mesma repercussão que seu anterior (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias), o novo longa de Cristian Mungiu surpreendeu pela forma como retrata como o fanatismo religioso pode arruinar a felicidade de muitas pessoas - e como indivíduos com as melhores das intenções podem praticar atos bárbaros em nome da fé.





8. Killer Joe - Matador de Aluguel (Killer Joe; EUA), dirigido por William Friedkin

A volta em grande estilo do ano, marcando o retorno do veterano William Friedkin com um filme sobre a decadência moral dos Estados Unidos. Além disso, é o ponto alto (ao menos até agora) da virada na carreira do ator Matthew McConaughey. Nunca mais um frango assado será comido da mesma forma depois de se assistir a esse filme.


 

7. Antes da Meia-Noite (Before Midnight; EUA), dirigido por Richard Linklater

É como reencontrar velhos amigos que não víamos a muito tempo: eles estão mudados, mais velhos, com outras experiências e novos objetivos. O grande êxito não só de Antes da Meia-Noite, mas de toda a trilogia que acompanha o casal Jesse e Céline, é a forma como os dois parecem evoluir através do tempo, com novos dilemas e situações. Um filme para discorrer sobre a paixão, o amor e o compromisso, sem romantizações ou falsas expectativas.





6. Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle; França), dirigido por Abdellatif Kechiche

O vencedor da Palma de Ouro 2013 é uma história de amadurecimento e descoberta da sexualidade, mas acima de tudo é um belo estudo de personagem. A abordagem de Kechiche é humanista e naturalista, fazendo com que o espectador quase sinta na pele as emoções por que passa sua protagonista - e Adèle Exarchopoulos tem a grande atuação individual do ano.





5. O Mestre (The Master; EUA), dirigido por Paul Thomas Anderson


O Mestre confirmou mais uma vez o nome de Paul Thomas Anderson como um dos mais importantes cineastas da atualidade. Seu trabalho sobre um homem despedaçado e sua admiração por um guru religioso arrancou atuações fantásticas de todo o elenco e alguns dos mais belos momentos do cinema em 2013.





4. Amor (Amour; França), dirigido por Michael Haneke

Haneke filma o amor de sua forma, repleto de sofrimento. Um filme poderoso sobre o fim da vida e a dedicação.





3. O Ato de Matar (The Act of Killing; Reino Unido), dirigido por Joshua Oppenheimer

Durante anos a ditadura da Indonésia contratou matadores de aluguel para se livrar da oposição "comunista". Hoje, com a democracia restituída, aqueles mesmos cidadãos se encontram no poder. O Ato de Matar é um documentário importante não só pelos depoimentos que contém, pela frieza com que aqueles indivíduos narram e encenam seus assassinatos bárbaros; acima de tudo é uma reflexão sobre o próprio cinema e como a fantasia serve para tornar aceitável atos de violência extrema.





2. Upstream Color (idem; EUA), dirigido por Shane Carruth

Depois de estrear com o desafiante Primer, Shane Carruth refina sua forma de contar histórias, com um filme que une a racionalidade do primeiro com um toque de emoção. Seja como romance ou como ficção científica, Upstrem Color utiliza da linguagem cinematográfica para criar uma narrativa que confia tanto na inteligência como na sensibilidade do espectador para funcionar.





1. O Som ao Redor (idem; Brasil), dirigido por Kleber Mendonça Filho

Não só a melhor estreia e o melhor nacional de 2013 - melhor filme, no geral. A obra de Kleber Mendonça Filho é um retrato sobre qualquer grande cidade brasileira. Um filme que reflete as barreiras que construímos ao nosso redor, sejam elas físicas - a cerca, o muro, as grades -, sejam elas sociais - o preconceito, o medo, a falta de diálogo. Uma lição sobre cinema e sobre o Brasil de hoje.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Melhores de 2013 - Parte 1

Começo aqui a minha lista com os melhores filmes de 2013. Esse ano acabei não vendo tantos filmes quanto gostaria, mas fiquei muito contente com a lista a seguir. Como costume, selecionei os vinte melhores longas que vi no ano, a maioria lançado em circuito comercial no Brasil, e aqui está a primeira parte da lista. Nos próximos dias, postarei o top 10 do ano.


20. Capitão Phillips (Captain Phillips; EUA), dirigido por Paul Greengrass

Um filme que marcou dois retornos: o de Paul Greengrass à direção de um thriller baseado em histórias reais e o de Tom Hanks às grandes atuações. Ainda que menos tenso que seus dois grandes filmes (Voo 93 e Domingo Sangrento), Greengrass ainda demonstra talento em uma narrativa eletrizante - auxiliado por um Hanks que brilha nos minutos finais da trama.



19. Blue Jasmine (idem; EUA), dirigido por Woody Allen

Woody Allen se reinventa nessa história trágica sobre uma mulher medíocre que se vê forçada a recomeçar a vida depois que seu marido milionário (e vigarista) é preso. Um estudo de personagem raro na carreira do diretor, que mistura crise econômica com Um Bonde Chamado Desejo. A atuação sobrenatural de Cate Blanchett só não é a melhor do ano porque em 2013 também tivemos uma francesa chamada Adèle.




18. Um Estranho no Lago (L'inconnu du Lac; França), dirigido por Alain Guiraudie


Um suspense com elementos de Alfred Hichcock - voyeurismo e conflitos morais - sobre homens solitários em busca do prazer. Também uma metáfora sobre a vida de muitos homossexuais, forçados pela sociedade preconceituosa a se esconder como se sua existência fosse um crime em si. Mais que um "filme gay", Um Estranho no Lago é cinema de grande qualidade.




17. A Bela que Dorme (Bella Addormentata; Itália), dirigido por Mario Bellocchio


Bellocchio faz uma profunda análise sobre a eutanásia e discorre sobre o direito de escolha e as liberdades individuais. Mais do que um filme sobre a morte, A Bela que Dorme é uma obra sobre como lidamos com a nossa vida. Uma obra humanista sobre as escolhas individuais e as diferentes maneiras de aceitar a morte.




16. A Caça (Jagten; Dinamarca), dirigido por Thomas Vinterberg

Primeiro trabalho relevante de Vinterberg desde que apareceu para o mundo há mais de dez anos com o já clássico Festa de Família, A Caça traz Mads Mikkelsen como um professor acusado de pedofilia. O filme traz as consequências de um clima de caça às bruxas e o quanto uma falsa acusação pode marcar para sempre a vida de uma pessoa.




15. A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty; EUA), dirigido por Kathryn Bigelow

Bigelow e o roteirista Mark Boal fizeram um trabalho de pesquisa extenso para contar com detalhes a caça a Osama Bin Laden. Sem fugir da polêmica, com um estilo que mistura documento com thriller, a diretora mais uma vez demonstrou talento nas cenas de ação e de suspense. Mas foi o retrato de um país com políticas contraditórias e ações moralmente questionáveis que tornaram A Hora Mais Escura um filme que a ser visto e debatido.




14. Amor Bandido (Mud; EUA), dirigido por Jeff Nichols

Apesar do péssimo título nacional, Amor Bandido não é um romance, mas uma história de crescimento, centrado em dois garotos que conhecem um estranho indigente e com ele criam uma forte ligação. Um filme sobre amadurecimento que parece saído dos anos 1980 e que mostram que Jeff Nichols - do também excelente O Abrigo - é um nome para ser observado.




13. Cesar Deve Morrer (Cesare Deve Morire; Itália), dirigido por Paolo Taviani e Vittorio Taviani

Os veteranos diretores italianos apresentam um documentário que mistura ficção e realidade, acompanhando um grupo de presidiários - alguns deles condenados a penas duras por crimes como assassinatos - durante os ensaios e a encenação da peça Julio Cesar, de Shakespeare. A partir daí, o filme surpreende ao mostrar que mesmo indivíduos capazes dos atos mais bárbaros e violentos também podem possuir tamanha sensibilidade artística - e podem ter uma segunda chance na vida dentro de um sistema prisional que os respeite como seres humanos.




12. Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild; EUA), dirigido por Benh Zeitlin

O filme que revelou o diretor Benh Zeitlin e a atriz Quvenzhané Wallis foi a grande sensação do cinema independente norte-americano de 2012 e surpreendeu com várias indicações ao Oscar. Uma obra sensível e lírica sobre os sonhos infantis mesmo nas piores das realidades.




11. A Grande Beleza (La Grande Bellezza; Itália), dirigido por Paolo Sorrentino

Sorrentino se inspira em Fellini para fazer uma crítica ácida a uma Itália que parece ignorar o seu passado de berço cultural, surgindo como uma caricatura povoada por indivíduos de meia-idade egocêntricos que vivem uma vida medíocre e patética entre um e outro "bunga bunga" berlusconiano.

sábado, 12 de outubro de 2013

Gravidade


Gravidade é um filme de naufrágio que se passa no espaço. Dois astronautas, o veterano piloto Matt Kowalsky (George Clooney) e a médica novata Ryan Stone (Sandra Bullock), lutam pela sobrevivência depois de serem atingidos por destroços de um satélite russo, repetindo a velha dinâmica "homem versus natureza". O que chama atenção no filme do diretor e roteirista Alfonso Cuarón é o número de recursos técnicos e de linguagem presentes, com a ausência de gravidade permitindo ao talentoso cineasta uma série de liberdades que são usadas de forma espetacular.

Cuarón já havia demonstrado talento e ousadia em seu filme anterior, o ótimo Filhos da Esperança, lançado no longínquo ano de 2006: um longa repleta de tomadas criativas e planos sequência que chegavam a passar de vinte minutos. Mas em Gravidade ele eleva essa ousadia a um novo patamar - o filme pode ser resumido a uma sequência de planos sem cortes aparentes, todos longuíssimos. Mas isso, surpreendentemente, está longe de tornar o filme enfadonho ou tedioso: Cuarón mantém sempre a câmera em movimento, como se ela estivesse flutuando no espaço, em um ritmo que varia do calmo ao frenético. Isso permite com que ele mude o eixo de filmagem, faça piruetas e entre na visão de seus personagens - há até um "plano sequência-subjetivo". Um show de técnica que faz com que Gravidade seja uma mistura curiosa de blockbuster com filme experimental.

O que também transforma o longa em um espetáculo é o seu grau de realismo. Respeitando as leis da física e usando-as como parte fundamental de sua narrativa, Gravidade se engrandece como suspense exatamente porque tudo que vemos na tela é possível. Esse grau de realidade é auxiliado pela fotografia magistral de Emmanuel Lubezki e pelo trabalho brilhante da equipe de efeitos visuais, que dão vida à Terra e ao espaço criados inteiramente no computador: as luzes das cidades à noite, a aurora boreal esverdeada, o brilho ofuscante do Sol são alguns dos elementos que surgem em seus mínimos detalhes. Já o uso do 3D é um dos mais eficazes já realizados, aumentando a imersão do espectador, além de demonstrar a grandiosidade do espaço em relação aos astronautas e até às estações espaciais, que surgem como pequenos objetos flutuantes na imensidão do universo.



Entretanto, o ponto alto do filme, ao menos tecnicamente, é o seu design de som. Seja nos barulhos abafados dentro do traje dos astronautas, na respiração ofegante e no coração acelerado da protagonista, todo elemento é cuidadosamente integrado à narrativa. Mas é o silêncio absoluto do vácuo que impressiona mais: numa época em que os filmes de ação investem cada vez mais em efeitos sonoros barulhentos e explosões grandiosas, a destruição silenciosa de Gravidade é poderosa e assustadora.

Todo esse cuidado técnico seria em vão se o filme não conseguisse atingir o mesmo sucesso emocionalmente. Mas aí entra o talento de Cuarón também como roteirista e a surpreendente atuação de Sandra Bullock. O roteiro escrito pelo cineasta junto com seu filho, Jonás, consegue construir as motivações da protagonista de forma gradual e aposta numa relação de tutor-aprendiz entre a insegura Stone e o experiente Kowalsky. Bullock entrega a melhor atuação de sua carreira, digna de prêmios, segurando o filme em seus momentos mais dramáticos, enquanto que George Clooney esbanja seu já conhecido carisma. O filme também conta com uma pequena participação de Ed Harris, como a voz do operador na Terra - o mesmo papel que fez em Apollo 13, o que não deixa de ser curioso.


Repleto de momentos que chegam a ser poéticos - as lágrimas de Stone flutuando, por exemplo -, Gravidade é um grande espetáculo visual e emocional. E, claro, o filme não deixa de fazer referências pontuais ao maior clássico do gênero, 2001 - Uma Odisseia no Espaço - quando o homem perde controle de suas ferramentas diante da natureza implacável do universo (o parafuso em Gravidade, a caneta em 2001) ou quando Stone assume uma posição fetal, semelhante ao bebê no final de 2001. Com o talento e o domínio da linguagem cinematográfica que Cuarón demonstra possuir, dá para dizer que Stanley Kubrick ficaria orgulhoso em ser lembrado.

Gravity (EUA, 2013). Dirigido por Alfonso Cuarón. Com Sandra Bullock, George Clooney, Ed Harris e Paul Sharma.


domingo, 15 de setembro de 2013

Bling Ring: A Gangue de Hollywood


É interessante notar como a carreira de Sofia Coppola como diretora e roteirista tem girado em torno do que se chama lá fora de "first world problems" (ou o nosso "classe média sofre"): narrativas sobre indivíduos de classe média/alta que, mesmo com fácil acesso ao conforto, não conseguem se realizar emocionalmente. Não é a toa que a história de Bling Ring: A Gangue de Hollywood a tenha atraído: seu roteiro, baseado em uma reportagem real da revista Vanity Fair, acompanha um grupo de adolescentes ricos de Los Angeles que começa a assaltar casas de celebridades apenas para exibir os objetos roubados (roupas, bolsas, jóias) como 'troféus' em seus círculos de amizade.

Bling Ring, aliás, casa perfeitamente como o longa anterior da diretora, Um Lugar Qualquer, na crítica feroz que faz ao mundo das celebridades e a toda futilidade que o cerca. Enfocando durante várias passagens do longa a trajetória de escândalos que envolvem algumas vítimas da gangue (como Paris Hilton e, principalmente, Lindsay Lohan), o filme faz questão de mostrá-las como modelo para um geração de jovens superficiais, cuja obsessão pela fama é potencializada pelas redes sociais onde todo momento pode ser registrado e compartilhado - as fotos tiradas pelo celular são onipresentes em toda a história. Essa busca pelo reconhecimento a qualquer custo fica estampado em diversos momentos da história - seja quando Marc (Israel Broussard), um dos membros da grupo, mostra-se frustrado pela sua aparência 'comum', ou quando Rebecca (Katie Chang), a líder da gangue, fica curiosa para saber a reação de Lohan quando esta soube que foi roubada por ela.

O fato é que Coppola conhece bem a situação retratada aqui. Filha de um cineasta famoso e com parentes influentes dentro da indústria, ela possui um olhar de quem conviveu de perto com esse mundinho das celebridades de ocasião. Se em Um Lugar Qualquer, a diretora/roteirista focava o lado dos famosos e sua vida vazia de entrevistas coletivas enfadonhas, jornalistas superficiais e solidão, aqui ela destaca o outro lado da moeda: os consumidores de fofoca. Isso porque os membros da Gangue de Hollywood do título nada mais são do que a representações dessas pessoas - especialistas em celebridades (e subcelebridades), assíduos expectadores de veículos como TMZ e E! Entertainment e adeptos de filosofias baratas de auto-ajuda do momento (no caso, o best-seller O Segredo), Coppola não hesita em mostrá-los como figuras medíocres e tolas. Mas a autora também não perde a oportunidade de cutucar os protagonistas desse mundinho ridículo - e Paris Hilton é retratada, através da decoração de sua casa, repleta de fotos de si mesma, como dona de um ego à la Norma Desmond, personagem do clássico Crepúsculo dos Deuses (com direito até a macaco de estimação).

Ainda assim, o maior defeito de Bling Ring é exatamente o tom da crítica do filme: por mais que seja divertido ver esse universo ser desconstruído, o discurso do longa soa bastante batido, já tendo sido comentado em diversas outras ocasiões - inclusive pela própria diretora. Não há muita originalidade ao ligar a obsessão por roupas e sapatos de marca à futilidade e superficialidade consumistas - ou ao mostrar as jovens meninas que tentam começar a vida em Hollywood e atrair a atenção agentes e produtores através de seu corpo. Coppola até tenta dar certa profundidade aos personagens - principalmente à relação de carência emocional de Marc que faz com que ele se aproxime de Rebecca e acabe sendo usado por ela -, mas esse não é o verdadeiro foco da história. Além disso, as sequências dos roubos, que ocupam boa parte do longa, tornam-o bastante repetitivo e dão impressão de narrativa estagnada, com o filme só voltando a engrenar depois que a gangue é presa.

Com um elenco jovem bastante eficiente e homogêneo, Bling Ring é um filme divertido e na média dos trabalhos anteriores de Coppola - melhor que Maria Antonieta e As Virgens Suicidas, mas inferior a Encontros e Desencontros e Um Lugar Qualquer. Por mais que ela já pareça se repetir nessa temática, ainda demonstra talento e olhar crítico sobre o mundo que a cerca. Afinal, de ricos sofridos Sofia Coppola parece entender muito bem.

The Bling Ring (EUA, 2013). Dirigido por Sofia Coppola. Com Katie Chang, Israel Broussard, Emma Watson, Clarie Julien, Taissa Farmiga, Georgia Rock, Leslie Mann, Carlos Miranda, David Rossdale e Annie Fitzgerald.



sexta-feira, 22 de março de 2013

Pietà


A vitória de Pietà, do coreano Kim Ki-Duk, no Festival de Veneza do ano passado, sobre o favorito O Mestre, foi cercada de controvérsias. Isso porque o longa de Paul Thomas Anderson ficou com os prêmios de direção e ator e só não levou o Leão de Ouro porque o regulamento da mostra não permitia que um mesmo filme ganhasse em três ou mais categorias diferentes. Mas o que surpreende não é apenas a injustiça evidente na escolha, e sim como um filme tão frágil artística e tematicamente pode ter saído como o grande vencedor de um dos festivais mais importantes do planeta.

Abandonando as referências ao budismo de seus filmes anteriores, desta vez Kim Ki-Duk tenta criar uma alegoria ao capitalismo e faz citações, mesmo que nunca claras, ao catolicismo. O protagonista é Gang-Do (Lee Jeong-Jin), um personagem tão mal construído pelo péssimo roteiro - também de Ki-Duk - que pode ser caracterizado por um único adjetivo: malvado. Atuando como uma espécie de capanga que tortura e aleija os trabalhadores de sua vizinhança apenas para ficar com o dinheiro de seus seguros por acidentes de trabalho, sua vida é mudada quando Mi-Soon (Jo Min-Soo), uma mulher que diz ser sua mãe, surge para viver com ele.

A partir daí o filme se torna uma história de redenção das mais batidas, repleta de situações artificiais e forçadas. Esses problemas se intensificam pela incapacidade do roteiro e da direção de Ki-Duk de criar personagens tridimensionais e de fugir do maniqueísmo raso. Como dito acima, Gang-Do não é apenas um sujeito desprezível: seus atos de crueldade e sadismo são tão martelados pela narrativa que logo perdem impacto e ele se torna uma figura inverossímil. Por outro lado, a figura de Mi-Soon é um pouco melhor trabalhada: inicialmente surgindo como alguém que sente culpa por ter abandonado o filho, aos poucos vai mostrando também alguns sinais de crueldade, demonstrando ser alguém diferente do que entendemos a princípio. O problema é que a direção frágil de Ki-Duk destrói a construção da personagem, abusando do melodrama - e, é preciso dizer, depois da terceira cena em que o diretor filma em primeiro plano uma lágrima caindo do rosto da mãe, tal artifício perde o efeito, parecendo mais um clichê barato repetido incessantemente do que algo genuinamente emotivo.

Mas o pior em Pietà é a sua pretensão. Acreditando ser genial ou inovador, Ki-Duk tenta criar simbolismos na história que, ao invés de darem profundidade ao longa, soam bobos e simplistas, graças aos exageros e ao maniqueísmo como são tratados. Talvez sabendo da falta de complexidade do roteiro, o diretor e roteirista abusa dos diálogos expositivos, como na conversa entre mãe e filho sobre as consequências e conflitos que o dinheiro traz (numa cena que parece ter sido escrita por um adolescente filiada ao PCO). Tentando justificar as atitudes de Gang-Do pela lógica capitalista, o roteiro, ao invés de soar profundo, é bobo e infantil - e só não é pior do que relacionar (conforme demonstrado o título do filme) Mi-Soon com Maria e seu filho como Cristo. Ao que tudo indica, a intenção do diretor era dizer que o sacrifício do rapaz serviria para purificar os pecados daquelas pessoas - algo que chega a ser ofensivo de tão estúpido.

Transformando-se numa espécie de Oldboy de quinta categoria em sua metade final, Pietà possui ainda um desfecho que, assim como todo o resto do filme, surge forçado e absurdo. Vale lembrar que há um ótimo longa coreano recente sobre a relação de uma mãe com seu filho, menos pretensioso e bem mais complexo - ele se chama Mother e é dirigido pelo genial Bong Joon-Ho. Já Pietà apenas demonstra que péssimos filmes também podem sair vitoriosos de festivais de cinema importantes.

Pietà (Coreia do Sul, 2012). Dirigido por Kim Ki-Duk. Com Lee Jeong-Jin, Jo Min-Soo, Eunjin Kang, Kim Jae-Rok, Woo Ki-Hong e Jin Yong-Ok.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Killer Joe - Matador de Aluguel


Em um dos ótimos diálogos de Killer Joe, Chris Smith (Emile Hirsch) conta ao assassino profissional Joe Cooper (Matthew McConaughey) que, antes de se envolver com o tráfico de drogas, tentou montar uma fazenda. A empreitada deu errado quando um gambá com o vírus da raiva invadiu o local e contaminou os outros animais, que tiveram que ser sacrificados. O caso, como vemos ao final do filme, é claramente uma metáfora da situação vivida pela própria família de Chris, com o gambá sendo substituído pelo personagem-título da obra.

Não que o ambiente familiar ao qual o jovem pertence fosse, antes da entrada de Joe na narrativa, um exemplo de felicidade. Tanto seu pai Ansel (Thomas Haden Church), a madrasta Sharla (Gina Gershon) e - em menor grau - a irmã mais nova Dottie (Juno Temple), são indivíduos mesquinhos e desprezíveis, assim como o próprio Chris. As relações mantidas dentro daquele ambiente não envolvem a harmonia e o bem-estar familiar, mas questões monetárias ou sexuais. Envolvido com traficantes, aos quais deve uma grande quantia de dinheiro, não é surpreendente quando o jovem, apoiado pelos outros três parentes, resolve matar a própria mãe (também descrita como uma pessoa reprovável), a fim de receber e dividir entre eles seu seguro de vida milionário.

É aí que entra na narrativa o personagem-título. Vivido por Matthew McConaughey como um sujeito frio, de fala pausadamente calculada, Joe esconde por trás de seus bons modos um psicopata cruel. Ele será o responsável pelo assassinato, mas precisa do dinheiro adiantado. Como seu pagamento também sairá do seguro de vida, ele recebe como garantia a virginal Dottie, por quem se atraiu. A menina - talvez a única figura ingenuamente inocente da trama - é trocada como uma mercadoria pelo pai e pelo irmão. A partir daí temos um roteiro onde os erros se sucedem e seus personagens mesquinhos aos poucos vão descendo aos níveis mais baixos em que um ser humano pode chegar - com direito a um clímax espetacular na última meia hora do longa.



McConaughey tem aqui a atuação de sua carreira. Depois de ficar estigmatizado pelas comédias românticas genéricas que fez nos últimos anos, 2012 marcou seu retorno aos filmes mais complexos. Killer Joe é o ponto alto do  seu ciclo de grandes performances no ano (as outras foram em Magic Mike, Bernie e The Paperboy). Da mesma forma, o desempenho de todo o elenco é sublime, com destaque para Gina Gershon, que cria uma Sharla desprezível, mesmo considerando o baixo padrão daquela família. A cena envolvendo McConaughey, Gershon e uma coxa de galinha frita é antológica e entra, desde já, na lista das melhores do ano.

Retomando uma carreira que parecia em seu fim, William Friedkin, diretor dos clássicos Operação França e O Exorcista, realiza aqui um trabalho de direção forte e corajoso, sem medo de expor seus personagens a situações constrangedoras, repletas de violência física e psicológica. Inspirado pelo brilhante roteiro de Tracy Letts (baseado em uma peça escrita pelo mesmo), Friedkin investe em uma tensão constante, culminando no já citado clímax catártico.

Marcando o retorno magistral de um diretor experiente e talentoso que não se rendeu à fórmula hollywoodiana, Killer Joe também consolida a ascensão de um ator espetacular que tinha se acomodado em papeis medíocres. Um filme fantástico que mistura a violência dos trabalhos de Quentin Tarantino com uma típica comédia de erros dos irmãos Coen. 

Killer Joe (EUA, 2012). Dirigido por William Friedkin. Com Matthew McConaughey, Emile Hirsch, Juno Temple, Thomas Haden Church, Gina Gershon e Marc Macaulay.


sábado, 16 de março de 2013

O Som ao Redor


Imagens de grades, portões e muros em volta das residências são comuns em qualquer grande cidade brasileira. Representando um sistema individualista, em que as pessoas têm que proteger a si e - principalmente - a seus bens, elas estão tão onipresentes no nosso dia-a-dia que já são tratadas como naturais. Em busca de proteção, esses mecanismos transformam nossos lares em prisões particulares e servem para saciar nossa obsessão por segurança. Mas, acima de tudo, eles contribuem para isolar as pessoas, transformando comunidades e vizinhanças em um conjunto de indivíduos estranhos uns aos outros.

As grades estão também onipresentes em O Som ao Redor, primeiro longa-metragem de ficção do diretor Kleber Mendonça Filho. O filme faz um retrato fiel e complexo das relações humanas em uma sociedade profundamente individualista, onde não há praticamente nenhuma noção de comunidade e até os vizinhos são enxergados como concorrentes ou competidores. E vai além: traçando um paralelo com nosso passado, onde a divisão de classes rigidamente estabelecida ditava o papel de cada cidadão, Mendonça conclui que nossa paranoia por segurança tem relação direta com a desigualdade e a estratificação social, resquícios de um processo histórico mal-sucedido.

O filme se passa em uma vizinhança do Recife, repleta de prédios e com apenas algumas casas esparsas que - como ficamos sabendo durante a narrativa - logo serão demolidas para abrir espaço para novos arranha-céus. Apresentando vários personagens que representam as classes alta, média e baixa de nossa sociedade, o filme se concentra em particularmente dois: João (Gustavo Jahn), que divide o dia entre o trabalho como corretor imobiliário da família - seu avô, Francisco (W. J. Solha) é o dono dos condomínios da vizinhança - e seu romance com Sofia (Irma Brown); e Bia (Maeve Jinkings), uma dona de casa de classe média, casada e com dois filhos, que vem tendo problemas para dormir graças ao cachorro da casa ao lado. O ponto de partida da narrativa é a contratação de três seguranças liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos) para fazer uma ronda no quarteirão e aumentar a proteção de seus moradores.

João é retratado como um bom sujeito que, apesar de sua vida abastada e tranquila, demonstra possuir algum tipo de consciência - ele é o único que, em uma reunião de condomínio, opõe-se à demissão do porteiro que fora flagrado dormindo em serviço, mas que está próximo da aposentadoria. Ainda assim, ele se revela um individuo conformado, incapaz de mover um dedo para mudar uma situação em que se encontra confortável. Vindo de uma família tradicional - seu avô, além de dono dos prédios do bairro também possui um antigo engenho -, João sabe que é privilegiado e, como reflexo dessa consciência, é o único a tratar os empregados com um mínimo de educação ou carinho. O brilhante roteiro, aliás, ilustra nossa desigualdade histórica através da empregada do rapaz: Maria (Mauricéia Conceição), negra e pobre, trabalhou a vida inteira para a família, com seus serviços sendo herdados de pai para filho e que, ao se aposentar, é substituída pela filha - e qualquer semelhança com nosso passado escravocrata não é mera coincidência.



Já Bia é a personificação de uma classe média individualista e em busca de prazeres efêmeros. Vivendo solitária dentro de sua própria família - ela mal conversa com o marido ou com os filhos (chegando a ser praticamente expulsa de sua própria sala pela professora de chinês dos meninos por "atrapalhar sua concentração") - Bia tenta encontrar felicidade na maconha e no consumismo (é curioso como seu principal momento de prazer é com uma máquina de lavar). Demonstrando nossa incapacidade de comunicação, mesmo com aqueles mais próximos de nós, seu drama envolvendo o cachorro barulhento da vizinha poderia ser resolvido com uma simples conversa, mas a natureza sádica e competitiva da individualidade não permite.

No fim, tudo volta à questão da insegurança e da defesa do patrimônio, mais importante do que o bem-estar coletivo - a forma como os vigilantes compartilham fotos e vídeos de pessoas mortas violentamente revelam total insensibilidade e desprezo pela vida humana. As relação sociais resumem-se ao que as pessoas possuem, seja uma televisão maior que a do vizinho, seja um apartamento com uma bela sacada. Inicialmente contratados como seguranças comunitários, aos poucos os homens de Clodoaldo vão tomando conhecimento verdadeiro daquele microcosmo. Sabem, por exemplo, que não devem se meter com o encrenqueiro Dinho (Yuri Holanda), também neto do poderoso Francisco. E, conforme a narrativa vai chegando ao fim, eles deixam de servir à comunidade e se transformam em seguranças particulares daquela família. Uma mudança salientada até mesmo pelos títulos de cada ato da narrativa ("Cães de Guarda", "Guardas Noturnos" e "Guarda-Costas").

Filmando com a classe de um veterano - o que pode ser explicado por sua experiência anterior como crítico e diretor de curta-metragens -, Kleber Mendonça Filho cria uma obra densa, mas com momentos de humor e sensibilidade. Ora apostando em tornar sua temática mais evidente ("eu tenho recebido a minha Veja fora do plástico"), ora explorando situações e planos mais simbólicos, como nas sequências de pesadelo, O Som ao Redor revela-se um filme ambicioso, repleto de detalhes e que tende a ficar melhor sempre que revisto.

O Som ao Redor (Brasil, 2013). Dirigido por Kleber Mendonça Filho. Com Gustavo Jahn, Irandhir Santos, Maeve Jinkings, W. J. Solha, Irma Brown, Lula Terra, Yuri Holanda, Clébia Souza, Albert Tenório, Nivaldo Nascimento, Felipe Bandeira, Clara Pinheiro de Oliveira, Sebastião Formiga e Mauricéia Conceição.



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Oscar 2013 e as "surpresas" esperadas

Primeiro, a cerimônia e seu apresentador. Seth MacFarlane não se saiu muito bem. A impressão era de que o comediante até tinha boas piadas, mas não sabia como contá-las. Faltou timing e ele estava claramente nervoso, ficando um tanto constrangido quando percebia que suas tentativas de humor não funcionavam. Não sei se ele volta para o ano que vem. De qualquer forma, o maior problema do evento não foi o apresentador. Seu monólogo de abertura foi até engraçadinho - principalmente pela participação de William Shatner -, mas acabou sendo longo demais, perdendo a graça. E também foi prejudicado pela insistência da Academia com os números musicais.

Aí reside o problema: o Oscar já é famoso por sua cantoria. Historicamente, sempre houve números musicais, a maioria deles cafona e sem um pingo de criatividade. Recentemente, quando Hugh Jackman apresentou o prêmio, ele também dançou e cantou no palco. Daí surpreende que a Academia mais uma vez resolva homenagear musicais. E para isso ressuscitam Barbra Streisand, Jennifer Hudson e o elenco de Chicago em apresentações longas e chatíssimas.

O fato é que nos últimos anos o Oscar vem tentando renovar seus espectadores, tentando atrair um público mais jovem, mas não parece saber como. Para conseguir isso, mostra que precisa renovar a si próprio. Só colocar os protagonistas de Vingadores, Crepúsculo e Harry Potter para apresentar um prêmio ou dois não é o suficiente. Os Oscars não precisam se transformar no  People's Choice Awards ou no MTV Movie Awards (ambos exemplos de irrelevância e estupidez), mas precisam começar a fazer um evento para quem realmente ama cinema e tem menos de 90 anos. A resposta para isso talvez esteja na própria cerimônia de ontem: a ideia de um tributo a 007 é bem bacana - apesar de não ter sido bem realizada (ressumir 50 anos de franquia a uma apresentação de Shirley Bassey é pouco). Por que não dedicar toda a cerimônia à franquia? É ao mesmo tempo popular e clássico, podendo atingir várias gerações.

Enfim, se a cerimônia foi medíocre como sempre, as premiações estavam um pouquinho mais interessantes. Mas, apesar do ar de incerteza durante boa parte da temporada, o fato é que o resultado final foi o esperado. O que aconteceu foi que houve mais uma "expectativa de surpresa" do que a surpresa em si.

Tudo isso por causa de Melhor Diretor, que serviu como 'pista falsa' no roteiro dos prêmios. Argo, de Ben Affleck, apareceu como favorito desde que começou a ser exibido em festivais, com boa recepção tanto da crítica quanto do público. Aí vieram as indicações e... Affleck estava de fora. O problema é que, logo depois da esnobada, o filme começou a ganhar tudo. Como podia um longa que não teve seu diretor indicado vencer? Algo estava errado. Mas quem poderia derrotá-lo? A resposta devia estar exatamente na categoria de direção. Benh Zeitlin era estreante, a indicação já bastava; Michael Haneke fez um filme falado em francês, difícil, com um tema pouco atraente e que pouca gente na Academia viu; sobraram David O. Russell, Ang Lee e Steven Spielberg. Era natural apostar no último, pela importância de Spielberg para Hollywood, pelo próprio estilo clássico de Lincoln e pelo grande número de indicações do filme. Seria a escolha mais óbvia.

Mas Lincoln era um falso favorito. Nas famosas prévias do Oscar, o filme vinha ganhando só os prêmios de atuação. E as chances do filme com a Academia estavam condicionadas à estatueta de direção; Lincoln só venceria se seu diretor vencesse também. Como muita gente achava que ia vencer direção, tornou-se o maior anti-Argo. Mas aí entra Ang Lee. Assim como Spielberg, o taiwanês também já tinha um Oscar na prateleira. Só que o venceu em uma edição polêmica: ele ganhou por O Segredo de Brokeback Mountain, que depois perdeu o prêmio principal para Crash, no maior vexame da última década. Além disso, Lee é um cara querido, boa pinta, extramente versátil e que fez um filme que, longe de perfeito, tinha momentos belíssimos e talvez fosse o trabalho de direção mais difícil, atrás apenas de Amor. Ao mesmo tempo, As Aventuras de Pi, apesar de seu subtexto espiritual, não era um filme com muita cara de Oscar; estava mais para Avatar do que para Discurso do Rei. Logo, Ang Lee levaria o prêmio mais pela carreira do que por qualquer outra coisa; e aí estava aberto o caminho para Argo ficar com Melhor Filme.

E então chegamos à cerimônia. Para poder vencer o prêmio principal, Argo precisaria ganhar mais estatuetas para se firmar: em especial as de montagem e roteiro adaptado. Foi o que aconteceu. Pouco depois, veio o anúncio do melhor diretor: Ang Lee, por As Aventuras de Pi. Tudo conforme o script para a vitória de Ben Affleck. Só que, então, a Academia resolveu pregar uma peça: naquela que talvez tenha sido a única boa sacada dos produtores este ano, colocaram Michelle Obama para anunciar o vencedor. Não tinha como não questionar: será que Lincoln ganharia? Afinal, era a esposa do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que poderia premiar a biografia do líder que acabou com a escravidão naquele país. Uma virada que pareceria forçada e incoerente, segundo o enredo traçado até então - como disse acima, Lincoln só ganharia se Spielberg também levasse.

Mas, no fim, acabou dando Argo mesmo. Um vencedor de Oscar digno. Não foi, de forma alguma, o melhor filme de 2012. Mas é um trabalho bem realizado, que atinge seus objetivos e que não envergonha ninguém. Está longe de chegar ao nível de um Onde os Fracos Não Têm Vez ou Guerra ao Terror, mas também não chega a Crash ou Discurso do Rei. Em uma premiação que seguiu a fórmula do bom e velho filme médio hollywoodiano - cheia de reviravolta e suspense, mas com um final previsível -, Argo acabou sendo a escolha que resume todo o processo.

Comentários específicos:

* Apenas para comprovar que o Oscar deste ano nem foi tão surpreendente assim: das 21 categorias em que apostei (ou seja, todas menos as dos curtas), eu acertei 17. Dessas, em três (atriz, desenho de produção e animação) venceram minhas segundas opções. Só em ator coadjuvante eu fui "surpeendido": não achava que Christoph Waltz fosse favorito, apostando em Tommy Lee Jones e Robert DeNiro, mesmo que no texto tenha indicado que ele poderia ganhar. Outra coisa que não previ (até porque seria muito difícil) foi o empate em edição de som, apesar de ter apostado em um dos dois vencedores (007 - Operação Skyfall).

* Falando nisso, não acontecia um empate no Oscar desde 1994, quando dois curtas de ficção levaram juntos a estatueta de sua categoria. A divisão de ontem foi a sexta da história.

* Como esperado, Daniel Day-Lewis tornou-se o primeiro ator a possuir três estatuetas da categoria principal. Ele ultrapassou Jack Nicholson, que também tem três Oscars, mas um deles como coadjuvante. Além de Day-Lewis, Sally Field, Robert DeNiro e Steven Spielberg também poderiam ter conquistado seu terceiro Oscar, mas saíram de mãos vazias.

* Ang Lee venceu seu segundo Oscar de direção sem que o filme também fosse premiado. Não é algo inédito, tendo acontecido outras duas vezes: com Frank Bozarge (em 1928 por Sétimo Céu, que perdeu para Asas; e em 1932, quando venceu por Depois do Casamento e Grande Hotel ficou com melhor filme) e com John Ford (ganhou em 1936 e 1941 por O Delator e Vinhas da Ira, perdendo, respectivamente, para O Grande Motim e Rebecca).

* Já há certa comparação entre a vitória de Jennifer Lawrence sobre Emmanuelle Riva  com o que aconteceu em 1999, quando Gwyneth Paltrow derrotou Fernanda Montenegro. Em ambos os casos, uma atriz estrangeira veterana perde para uma jovem estrela. Mas as comparações param por aí. Primeiro porque Lawrence, mesmo com poucos filmes no currículo, já se mostrou mais talentosa que Paltrow. Segundo porque, como apontou Chico Fireman, a vitória da atriz de Shakespeare Apaixonado em 99 foi fruto puro da campanha dos irmãos Weinstein, enquanto que Lawrence tem seus méritos aqui - apesar de também ter a Weinstein Co. ao seu lado. O duro para ela agora é saber qual rumo dará para sua carreira. Hollywood é notória em premiar jovens atrizes que depois desaparecem do mapa. Lawrence ainda vai continuar sob os holofotes nos próximos anos, com as continuações de Jogos Vorazes e o novo X-men, além de já estar confirmada no próximo filme de David O. Russell. Talento ela tem para ser indicada e ganhar mais prêmios.

* Os dois Oscars de 007 - Operação Skyfall (canção e edição de som) transformaram o filme no mais vitorioso da franquia. Antes dele, só Goldfinger (efeitos sonoros) e 007 Contra a Chantagem Atômica (efeitos visuais) já haviam vencido.

* Dos nove indicados a melhor filme, apenas Indomável Sonhadora saiu de mãos vazias. As Aventuras de Pi levou quatro estatuetas; Argo e Os Miseráveis, três; Django Livre e Lincoln, duas; Amor, A Hora Mais Escura e O Lado Bom da Vida, uma cada.

* E, claro, como dito acima e já esperado, Argo tornou-se o quarto filme vencedor do Oscar que não teve seu diretor indicado. Os outros três foram: Asas (1928), Grande Hotel (1932) e Conduzindo Miss Daisy (1989).

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Apostas finais para o Oscar 2013

Mesmo com toda a polêmica sobre as mudanças nas datas e na forma de votação, o fato é que o Oscar 2013 será o mais interessante dos últimos anos. Pela primeira vez em muito tempo, algumas categorias estão muito difíceis de prever - eu mesmo já mudei várias apostas nos últimos dias. Alguns vencedores já são dados como certo, mas desta vez temos aquela sensação de que tudo pode mudar na última hora. Já as categorias que premia os diretores, os atores coadjuvantes e as de roteiro - além, de certa forma, a de melhor atriz - são incógnitas, com mais de um candidato. A seguir, minhas tradicionais apostas, alternativas e os meus preferidos em cada categoria:

Melhor filme

Deve ganhar: Argo
Alternativa: O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Amor

A grande questão que vem sendo debatida desde que foram anunciados os indicados: poderá Argo vencer mesmo sem que seu diretor tenha sido indicado? Ao que tudo indica, sim. O filme tem vencido tudo. Mesmo que sempre tenha gente lembrando que Conduzindo Miss Daisy foi o único filme em oitenta anos que levou melhor filme sem ter seu realizador concorrendo, é provável que essa estatística mude este ano. E se Argo perdesse, quem seria o vencedor? Muitos apostam em Lincoln, mas eu acho mais provável O Lado Bom da Vida. Nas últimas semanas, a Weinstein Co. tem vendido a ideia de que o filme é uma história séria sobre deficientes mentais e não uma simples comédia romântica (o que ele realmente é). Harvey Weinstein tem experiência em ganhar Oscars, então nunca duvide de seu poder. Mas a tendência é que Ben Affleck ganhe o prêmio, se não como diretor, mas como produtor de seu filme.


Melhor direção

Deve ganhar: Ang Lee, As Aventuras de Pi
Alternativa: David O. Russell, O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Michael Haneke, Amor

A grande incógnita da noite. O favorito, Ben Affleck, não foi sequer indicado. Então quem vai levar? Spielberg é o nome mais fácil, mas seu filme não ganhou prêmio importante algum. Ang Lee é outro muito cotado, já que seria uma forma de homenagear um diretor versátil por um filme que parece ter muitos admiradores - e o crescimento de seu nome me leva a apostar nele. David O. Russell conta com a campanha feroz da Weinstein Co. (veja acima), então não dá para descartar seu nome. Até Michael Haneke teria uma chance pequena, uma forma da Academia consagrar um diretor importante. Já para Benh Zeitlin, a indicação já basta - afinal, em seu filme de estreia, ele já foi premiado no Festival de Sundance, em Cannes e foi indicado ao Oscar; quer mais que isso?


Melhor atriz

Deve ganhar: Emmanuelle Riva, Amor
Alternativa: Jennifer Lawrence, O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Emmanuelle Riva

O SAG colocou Jennifer Lawrence na dianteira, como favorita, e praticamente tirou as chances de Jessica Chastain. Mas no Oscar há Emmanuelle Riva, francesa, veterana, com uma atuação fantástica e em sua primeira (e provavelmente última) indicação aos 85 anos de idade. E fará 86 exatamente no dia 24 de fevereiro, data da entrega da premiação. Seria tentador para o Oscar premiar essa lenda do cinema - ainda mais porque quem deve anunciar a vencedora é o melhor ator do ano passado, Jean Dujardin, também francês. Mas vale lembrar que muitos votantes não devem ter visto Amor, então as chances de Lawrence também são grandes. 


Melhor ator

Deve ganhar: Daniel Day-Lewis, Lincoln
Alternativa: Hugh Jackman, Os Miseráveis
Em quem eu votaria: Joaquin Phoenix, O Mestre

No domingo, Daniel Day-Lewis deve se tornar o primeiro ator a vencer três vezes esse prêmio. Uma vitória justa, diga-se. Mas eu daria para Phoenix, com uma atuação igualmente monstruosa em um papel bem mais difícil. Mas é complicado questionar o prêmio para Day-Lewis.


Melhor atriz coadjuvante

Deve ganhar: Anne Hathaway, Os Miseráveis
Alternativa: Sally Field, Lincoln
Em quem eu votaria: Helen Hunt, As Sessões

Hathaway é queridinha de todos, boa atriz e chama a atenção apesar de ter pouco tempo em Os Miseráveis. Não é a melhor atuação de todas, mas tem tudo para levar. A alternativa seria a veterana Sally Field, muito boa em Lincoln. Eu votaria em Helen Hunt, mas também ficaria feliz se Amy Adams levasse. O que não vai acontecer. O Oscar é da Hathaway.


Melhor ator coadjuvante

Deve ganhar: Tommy Lee Jones, Lincoln
Alternativa: Robert DeNiro, O Lado Bom da Vida
Em quem eu votaria: Philip Seymour Hoffman, O Mestre

Tommy Lee Jones venceu o SAG e seu nome parece o mais forte. Mas é uma categoria sem favorito claro e pode acontecer uma surpresa. Se DeNiro ganhar, deve ser mais pela carreira do que pela atuação em si. Christoph Waltz também tem chances, mas ele ganhou recentemente por uma atuação semelhante. E se a Academia fosse justa, esse prêmio já era de Philip Seymour Hoffman.


Melhor roteiro original

Deve ganhar: Quentin Tarantino, Django Livre
Alternativa: Mark Boal, A Hora Mais Escura
Em quem eu votaria: A Hora Mais Escura

Tarantino deve ganhar seu segundo Oscar (Pulp Fiction também levou roteiro), por um dos seus trabalhos mais comuns. A curiosidade aqui é que em 2010 ele também concorreu, por Bastardos Inglórios, mas perdeu exatamente para Mark Boal (Guerra ao Terror). E não descartem Haneke aqui também.



Melhor roteiro adaptado

Deve ganhar: Chris Terrio, Argo
Alternativa: Tony Kushner, Lincoln
Em quem eu votaria: Lincoln

Com Ben Affleck fora do prêmio de direção, dá para dizer que o destino da estatueta de roteiro adaptado definirá quem leva Melhor Filme. Os quatro principais concorrentes estão aqui: Argo, Lincoln, O Lado Bom da Vida e As Aventuras de Pi. Chris Terrio deve levar, até porque seria o único prêmio 'principal' que o longa levaria além de Melhor Filme.


Melhor animação

Deve ganhar: Detona Ralph
Alternativa: Valente
Em quem eu votaria: Detona Ralph

O ano foi fraco para as animações. Detona Ralph acaba se destacando por ser o filme mais redondinho. A Academia poderia premiar o Tim Burton pela carreira, mas se Frankenweenie não é uma bomba, também não é digno de prêmios. Não dá pra descartar totalmente a Pixar com Valente, um filme lindo tecnicamente mas emocionalmente vazio. Eu ficaria feliz se o divertido ParaNorman levasse, mas não tem chances. Acaba que a possível vitória de Detona Ralph seria justa.


Melhor filme estrangeiro

Deve ganhar: Amor
Alternativa: O Amante da Rainha
Em quem eu votaria: Amor

Há dois anos, Haneke era o favorito e perdeu para o argentino O Segredo dos Seus Olhos. Agora deve vencer, não só porque seu filme é inegavelmente o melhor dos cinco indicados (e concorre também ao prêmio principal), mas porque a concorrência é bem fraca - tirando o chileno No, nenhum dos outros filmes representa algo especial.


Melhor documentário

Deve ganhar: Searching for Sugar Man
Alternativa: How to Survive a Plague

Não vi nenhum dos indicados. Aposto em Searching for Sugar Man por ter vencido vários precursores, incluindo os prêmios dos sindicatos dos produtores, dos diretores e dos roteiristas.


Melhor montagem

Deve ganhar: William Goldenberg, Argo
Alternativa: Dylan Tichenor e William Goldenberg, A Hora Mais Escura
Em quem eu votaria: A Hora Mais Escura

William Goldenberg vai vencer, isso é quase certo. E deve ser por Argo, já que o filme só tem chances concretas mesmo em outras duas categorias (filme e roteiro). E será merecido, apesar do trabalho em A Hora Mais Escura ser igualmente espetacular.


Melhor fotografia

Deve ganhar: Claudio Miranda, As Aventuras de Pi
Alternativa: Roger Deakins, 007 - Operação Skyfall
Em quem eu votaria: Skyfall

Será que Roger Deakins finalmente leva um Oscar para casa? Acredito que não. A competição é dura, todos os indicados são ótimos, mas As Aventuras de Pi acabe se destacando. O espetáculo visual do filme de Ang Lee chama muito a atenção e deve ganhar.


Melhor desenho de produção

Deve ganhar: Sarah Greenwood e Katie Spencer, Anna Karenina
Alternativa: Rick Carter e Jim Erickson, Lincoln
Em quem eu votaria: Anna Karenina

Anna Karenina deve levar aqui, de forma merecida. Além de Lincoln, As Aventuras de Pi também tem chances. São três grandes trabalhos, mas acho que o filme de Joe Wright merece mais.


Melhor figurino

Deve ganhar: Jacqueline Durran, Anna Karenina
Alternativa: Paco Delgado, Os Miseráveis
Em quem eu votaria: Anna Karenina

Mais um onde Anna Karenina é favorito. Mas aqui vejo chances também para o figurino de Os Miseráveis.


Melhor maquiagem

Deve ganhar: Lisa Westcott e Julie Dartnell, Os Miseráveis
Alternativa: Peter Swords King, Rick Findlater e Tami Lane, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Em quem eu votaria: O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

Aqui está talvez a única chance concreta de O Hobbit levar um prêmio. Mas o provável é que deem o Oscar para Os Miseráveis, como compensação por outras derrotas.


Melhores efeitos visuais

Deve ganhar: As Aventuras de Pi
Alternativa: O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Em quem eu votaria: As Aventuras de Pi

Basicamente Gollum vs. Richard Parker. E o tigre de As Aventuras de Pi leva boa vantagem.


Melhor edição de som

Deve ganhar: 007 - Operação Skyfall
Alternativa: As Aventuras de Pi
Em quem eu votaria: As Aventuras de Pi

As Aventuras de Pi ganhou o prêmio do sindicato, então seria o favorito. Mas como todo mundo vota e geralmente o mais barulhento leva, há chances também para Argo, A Hora Mais Escura e, principalmente, 007 - Operação Skyfall.


Melhor mixagem de som

Deve ganhar: Os Miseráveis
Alternativa: 007 - Operação Skyfall
Em quem eu votaria: Argo

Musicais tendem a levar a melhor aqui, portanto Os Miseráveis é o grande favorito.


Melhor trilha sonora

Deve ganhar: Mychael Danna, As Aventuras de Pi
Alternativa: John Williams, Lincoln
Em quem eu votaria: As Aventuras de Pi

Acredito que o favorito seja As Aventuras de Pi. Mas do outro lado há John Williams em sua 48ª indicação (incluindo trilha e musica original). Ele não ganha desde 1994, então seria uma forma de homenagear um veterano. O absurdo aqui é a não-inclusão da trilha de Indomável Sonhadora, melhor que as cinco indicadas.


Melhor canção

Deve ganhar: "Skyfall", 007 - Operação Skyfall
Alternativa: "Suddenly", Os Miseráveis
Em quem eu votaria: Skyfall

Homenagens aos 50 anos de 007. Presença de vários James Bonds no palco. Um dos melhores filmes da franquia, com o maior número de indicações. Uma música composta pela queridinha do momento. Dificilmente Adele perde esse Oscar.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Indomável Sonhadora


Indomável Sonhadora, longa de estreia do diretor Benh Zeitlin, foi uma das maiores surpresas de 2012. Exibido pela primeira vez no Festival de Sundance, o principal evento do cinema independente norte-americano, a obra logo chamou a atenção da crítica e do público, sendo considerado como um dos destaques da mostra. A curiosidade sobre o filme aumentou ainda mais quando o diretor recebeu a Câmera de Ouro, prêmio do Festival de Cannes destinado a estreantes. Se não bastasse tudo isso, o diretor foi ainda indicado ao Oscar, com Indomável Sonhadora presente em cinco categorias, incluindo melhor filme. E não é para menos: mesmo debutando na função em um longa metragem, Zeitlin mostra segurança e talento, criando um filme belíssimo e emocionante.

Com um elenco repleto de atores amadores, Indomável Sonhadora é protagonizado por Hushpuppy (a espetacular Quvenzhané Wallis, com 5 anos na época das filmagens), uma menina que vive com o pai (Dwight Henry) numa área rural devastada pelo furacão Katrina. Vivendo em uma espécie de comunidade hippie, Hushpuppy tem de lidar com seu amadurecimento, aprendendo a enfrentar os medos, a doença do pai, a vontade de conhecer a mãe e as constantes tempestades que, de uma hora para outra, devastam toda a região.

Zeitlin usa esse contexto para criar uma obra profundamente ambientalista, destacando a relação homem/meio ambiente, mas sem nunca soar panfletário. Isso fica claro pela forma como o filme retrata seus personagens: morando em um lugar devastado pelo clima instável, em meio a destroços, carcaças e pouca higiene, em nenhum momento o roteiro - escrito pelo diretor em parceria com Lucy Alibar, baseado em uma peça desta última - vitimiza esses indivíduos. Pelo contrário: há entre eles um sentimento de liberdade e total comunhão com a natureza. Não é à toa que a protagonista faz diversas comparações entre aqueles humanos e os animais, sendo que os primeiros podem ser considerados as verdadeiras 'bestas' do título original. Lutando pela sobrevivência, eles não abrem mão de sua verdadeira natureza e não apelam para tecnologia ou ferramentas, seja para sobreviverem às tempestades ou para se alimentarem.



Mas o filme só funciona mesmo por causa da relação tocante entre Hushpuppy e seu pai. Trabalhando com uma atriz tão jovem, a equipe de produção sabe que deve apelar para efeitos que melhorem o desempenho de Wallis - e a montagem do filme é muito eficiente nesse ponto. Hushpuppy surge como uma figura impressionante, forte e animalesca, mas também sensível e repleta de dúvidas e questionamentos típicos de alguém de sua idade - e se há muito mérito da direção de Zeitlin em sua atuação, não se pode duvidar da expressividade de Wallis, que se destaca mais de uma vez ao longo da história. Da mesma forma, igualmente fantástico (e injustamente ignorado pelas premiações deste ano) é Dwight Henry, que caracteriza Wink, o pai da protagonista, como um sujeito alcoólatra, duro e que não se esforça para parecer carinhoso, mas que claramente se preocupa com a menina. Os momentos de interação entre pai e filha são os melhores de todo o longa, e a química entre Henry e Wallis é muito eficiente para demonstrar a necessidade mútua que um tem do outro.

Com um estilo de filmagem lírico e poético, beneficiado pela ótima fotografia de Ben Richardson e a maravilhosa trilha sonora criada pelo próprio diretor junto com o compositor Dan Romer, Indomável Sonhadora acompanha o amadurecimento de uma criança que, a partir de seu próprio ponto de vista, aprende a lidar com seus medos, dúvidas e a enfrentar as 'bestas' do mundo. Um trabalho de gente grande, inesquecível, que ajudou a revelar ao mundo os nomes de Benh Zeitlin e Quvenzhané Wallis.

Beasts of the Southern Wild (EUA, 2012). Dirigido por Benh Zeitlin. Com Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Levy Easterly, Lowell Landes, Palmela Harper, Gina Montana e Henry D. Coleman.