segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Oscar 2013 e as "surpresas" esperadas

Primeiro, a cerimônia e seu apresentador. Seth MacFarlane não se saiu muito bem. A impressão era de que o comediante até tinha boas piadas, mas não sabia como contá-las. Faltou timing e ele estava claramente nervoso, ficando um tanto constrangido quando percebia que suas tentativas de humor não funcionavam. Não sei se ele volta para o ano que vem. De qualquer forma, o maior problema do evento não foi o apresentador. Seu monólogo de abertura foi até engraçadinho - principalmente pela participação de William Shatner -, mas acabou sendo longo demais, perdendo a graça. E também foi prejudicado pela insistência da Academia com os números musicais.

Aí reside o problema: o Oscar já é famoso por sua cantoria. Historicamente, sempre houve números musicais, a maioria deles cafona e sem um pingo de criatividade. Recentemente, quando Hugh Jackman apresentou o prêmio, ele também dançou e cantou no palco. Daí surpreende que a Academia mais uma vez resolva homenagear musicais. E para isso ressuscitam Barbra Streisand, Jennifer Hudson e o elenco de Chicago em apresentações longas e chatíssimas.

O fato é que nos últimos anos o Oscar vem tentando renovar seus espectadores, tentando atrair um público mais jovem, mas não parece saber como. Para conseguir isso, mostra que precisa renovar a si próprio. Só colocar os protagonistas de Vingadores, Crepúsculo e Harry Potter para apresentar um prêmio ou dois não é o suficiente. Os Oscars não precisam se transformar no  People's Choice Awards ou no MTV Movie Awards (ambos exemplos de irrelevância e estupidez), mas precisam começar a fazer um evento para quem realmente ama cinema e tem menos de 90 anos. A resposta para isso talvez esteja na própria cerimônia de ontem: a ideia de um tributo a 007 é bem bacana - apesar de não ter sido bem realizada (ressumir 50 anos de franquia a uma apresentação de Shirley Bassey é pouco). Por que não dedicar toda a cerimônia à franquia? É ao mesmo tempo popular e clássico, podendo atingir várias gerações.

Enfim, se a cerimônia foi medíocre como sempre, as premiações estavam um pouquinho mais interessantes. Mas, apesar do ar de incerteza durante boa parte da temporada, o fato é que o resultado final foi o esperado. O que aconteceu foi que houve mais uma "expectativa de surpresa" do que a surpresa em si.

Tudo isso por causa de Melhor Diretor, que serviu como 'pista falsa' no roteiro dos prêmios. Argo, de Ben Affleck, apareceu como favorito desde que começou a ser exibido em festivais, com boa recepção tanto da crítica quanto do público. Aí vieram as indicações e... Affleck estava de fora. O problema é que, logo depois da esnobada, o filme começou a ganhar tudo. Como podia um longa que não teve seu diretor indicado vencer? Algo estava errado. Mas quem poderia derrotá-lo? A resposta devia estar exatamente na categoria de direção. Benh Zeitlin era estreante, a indicação já bastava; Michael Haneke fez um filme falado em francês, difícil, com um tema pouco atraente e que pouca gente na Academia viu; sobraram David O. Russell, Ang Lee e Steven Spielberg. Era natural apostar no último, pela importância de Spielberg para Hollywood, pelo próprio estilo clássico de Lincoln e pelo grande número de indicações do filme. Seria a escolha mais óbvia.

Mas Lincoln era um falso favorito. Nas famosas prévias do Oscar, o filme vinha ganhando só os prêmios de atuação. E as chances do filme com a Academia estavam condicionadas à estatueta de direção; Lincoln só venceria se seu diretor vencesse também. Como muita gente achava que ia vencer direção, tornou-se o maior anti-Argo. Mas aí entra Ang Lee. Assim como Spielberg, o taiwanês também já tinha um Oscar na prateleira. Só que o venceu em uma edição polêmica: ele ganhou por O Segredo de Brokeback Mountain, que depois perdeu o prêmio principal para Crash, no maior vexame da última década. Além disso, Lee é um cara querido, boa pinta, extramente versátil e que fez um filme que, longe de perfeito, tinha momentos belíssimos e talvez fosse o trabalho de direção mais difícil, atrás apenas de Amor. Ao mesmo tempo, As Aventuras de Pi, apesar de seu subtexto espiritual, não era um filme com muita cara de Oscar; estava mais para Avatar do que para Discurso do Rei. Logo, Ang Lee levaria o prêmio mais pela carreira do que por qualquer outra coisa; e aí estava aberto o caminho para Argo ficar com Melhor Filme.

E então chegamos à cerimônia. Para poder vencer o prêmio principal, Argo precisaria ganhar mais estatuetas para se firmar: em especial as de montagem e roteiro adaptado. Foi o que aconteceu. Pouco depois, veio o anúncio do melhor diretor: Ang Lee, por As Aventuras de Pi. Tudo conforme o script para a vitória de Ben Affleck. Só que, então, a Academia resolveu pregar uma peça: naquela que talvez tenha sido a única boa sacada dos produtores este ano, colocaram Michelle Obama para anunciar o vencedor. Não tinha como não questionar: será que Lincoln ganharia? Afinal, era a esposa do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que poderia premiar a biografia do líder que acabou com a escravidão naquele país. Uma virada que pareceria forçada e incoerente, segundo o enredo traçado até então - como disse acima, Lincoln só ganharia se Spielberg também levasse.

Mas, no fim, acabou dando Argo mesmo. Um vencedor de Oscar digno. Não foi, de forma alguma, o melhor filme de 2012. Mas é um trabalho bem realizado, que atinge seus objetivos e que não envergonha ninguém. Está longe de chegar ao nível de um Onde os Fracos Não Têm Vez ou Guerra ao Terror, mas também não chega a Crash ou Discurso do Rei. Em uma premiação que seguiu a fórmula do bom e velho filme médio hollywoodiano - cheia de reviravolta e suspense, mas com um final previsível -, Argo acabou sendo a escolha que resume todo o processo.

Comentários específicos:

* Apenas para comprovar que o Oscar deste ano nem foi tão surpreendente assim: das 21 categorias em que apostei (ou seja, todas menos as dos curtas), eu acertei 17. Dessas, em três (atriz, desenho de produção e animação) venceram minhas segundas opções. Só em ator coadjuvante eu fui "surpeendido": não achava que Christoph Waltz fosse favorito, apostando em Tommy Lee Jones e Robert DeNiro, mesmo que no texto tenha indicado que ele poderia ganhar. Outra coisa que não previ (até porque seria muito difícil) foi o empate em edição de som, apesar de ter apostado em um dos dois vencedores (007 - Operação Skyfall).

* Falando nisso, não acontecia um empate no Oscar desde 1994, quando dois curtas de ficção levaram juntos a estatueta de sua categoria. A divisão de ontem foi a sexta da história.

* Como esperado, Daniel Day-Lewis tornou-se o primeiro ator a possuir três estatuetas da categoria principal. Ele ultrapassou Jack Nicholson, que também tem três Oscars, mas um deles como coadjuvante. Além de Day-Lewis, Sally Field, Robert DeNiro e Steven Spielberg também poderiam ter conquistado seu terceiro Oscar, mas saíram de mãos vazias.

* Ang Lee venceu seu segundo Oscar de direção sem que o filme também fosse premiado. Não é algo inédito, tendo acontecido outras duas vezes: com Frank Bozarge (em 1928 por Sétimo Céu, que perdeu para Asas; e em 1932, quando venceu por Depois do Casamento e Grande Hotel ficou com melhor filme) e com John Ford (ganhou em 1936 e 1941 por O Delator e Vinhas da Ira, perdendo, respectivamente, para O Grande Motim e Rebecca).

* Já há certa comparação entre a vitória de Jennifer Lawrence sobre Emmanuelle Riva  com o que aconteceu em 1999, quando Gwyneth Paltrow derrotou Fernanda Montenegro. Em ambos os casos, uma atriz estrangeira veterana perde para uma jovem estrela. Mas as comparações param por aí. Primeiro porque Lawrence, mesmo com poucos filmes no currículo, já se mostrou mais talentosa que Paltrow. Segundo porque, como apontou Chico Fireman, a vitória da atriz de Shakespeare Apaixonado em 99 foi fruto puro da campanha dos irmãos Weinstein, enquanto que Lawrence tem seus méritos aqui - apesar de também ter a Weinstein Co. ao seu lado. O duro para ela agora é saber qual rumo dará para sua carreira. Hollywood é notória em premiar jovens atrizes que depois desaparecem do mapa. Lawrence ainda vai continuar sob os holofotes nos próximos anos, com as continuações de Jogos Vorazes e o novo X-men, além de já estar confirmada no próximo filme de David O. Russell. Talento ela tem para ser indicada e ganhar mais prêmios.

* Os dois Oscars de 007 - Operação Skyfall (canção e edição de som) transformaram o filme no mais vitorioso da franquia. Antes dele, só Goldfinger (efeitos sonoros) e 007 Contra a Chantagem Atômica (efeitos visuais) já haviam vencido.

* Dos nove indicados a melhor filme, apenas Indomável Sonhadora saiu de mãos vazias. As Aventuras de Pi levou quatro estatuetas; Argo e Os Miseráveis, três; Django Livre e Lincoln, duas; Amor, A Hora Mais Escura e O Lado Bom da Vida, uma cada.

* E, claro, como dito acima e já esperado, Argo tornou-se o quarto filme vencedor do Oscar que não teve seu diretor indicado. Os outros três foram: Asas (1928), Grande Hotel (1932) e Conduzindo Miss Daisy (1989).

Nenhum comentário:

Postar um comentário