segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Entrando na história (pela porta dos fundos)

O Discurso do Rei: alguém lembrará desse filme daqui a dez anos?

Existem instantes em que temos a impressão de estarmos acompanhando um momento histórico. A noite de ontem pode com certeza entrar nessa lista. Infelizmente, pela porta dos fundos. Ao premiar O Discurso do Rei, o Oscar, mais uma vez, resolveu apostar em lobistas profissionais como Harvey Weinstein do que em dialogar com o que é realmente produzido diariamente em Hollywood. Não adianta nada escalar jovens como Anne Hathaway e James Franco como apresentadores se o grande prêmio da noite vai para um filme que só poderia ser considerado original e "melhor do ano" se tivesse sido filmado em 1940.

Dos dez indicados, O Discurso do Rei era o mais careta e convencional. Até mesmo longas que não mereciam ser lembrados como os melhores do ano, como Minhas Mães e Meu Pai e 127 Horas, tentavam ao menos ser mais ousados artística ou tematicamente. Não que isso seja um demérito do filme de Tom Hooper. Ele funciona e tem bons momentos, nada que seja memorável. Mas também possui problemas sérios no roteiro e, principalmente, na direção confusa de Hooper, só para ficar com duas categorias em que o filme foi premiado. A vitória acaba gerando, entre aqueles que amam e se importam de verdade com cinema, uma antipatia contra o longa, como se ele fosse pior do que realmente é.

É claro, aqui, mais uma vez, que a presença de Harvey Weinstein ajudou nessa vexaminosa vitória. Seu poder de lobby já havia dado o Oscar a Shakespeare Apaixonado, para ficar num exemplo, um romance bonitinho e igualmente convencional. Só que naquele ano, a Academia deu o prêmio de direção para Steven Spielberg. E fez muito bem, porque John Madden, diretor de Shakespeare, nunca mais fez algo memorável (nem havia feito antes). Por ironia do destino (ou não!), foi o próprio Spielberg quem entregou a estatueta a Hooper, num momento que ficará para a história como uma das maiores injustiças do Oscar.

Isso quer dizer que a estatueta deveria ir para A Rede Social? Não necessariamente. Haviam vários filmes concorrendo que são muito mais memoráveis do que Discurso. A Academia simplesmente deixou de premiar a loucura expressionista de Cisne Negro; a crueza e sensibilidade do cinema independente norte-americano de Inverno da Alma; a originalidade de um blockbuster de sucesso como A Origem; a beleza de personagens animados capazes de emocionar mais do que muita gente de carne e osso em Toy Story 3; a homenagem a um gênero clássico, transcrita de forma moderna, em Bravura Indômita; a complexidade familiar de O Vencedor; e, sim, o retrato perfeito de uma geração em A Rede Social.

Ao consagrar O Discurso do Rei, a Academia não apenas insultou milhares de cinéfilos que acompanham diariamente o que é feito em seus estúdios. Ela simplesmente ignorou toda uma geração de talentos produzidos dentro da própria indústria. Nomes como David Fincher, Darren Aronofsky, Joel e Ethan Coen, Christopher Nolan e David O. Russell foram preteridos por um inglês marketeiro que tem mais chances de terminar no vácuo (como Madden) do que escrever seu nome na história.

O Oscar nunca foi uma festa coerente, variando muito de ano a ano. Desta vez, eles deram um tiro certeiro no meio do pé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário